quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Organização sindical. Modelo sindical brasileiro. Conceito de categoria.

A CF/88 garante a autonomia para decidir as bases territoriais de atuação e a ausência de interferência por parte do Estado, que está proibido de exigir prévia autorização para fundação de sindicatos.

A organização sindical parte do conceito fundamental de "categorias". Uma categoria é um conjunto de pessoas que exercem atividade em um mesmo setor econômico. Pode ser:

  • categoria econômica: formada pelos empregadores a partir da "solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas" (art. 511, §1ºda CLT)
  • categoria profissional: formada pelos trabalhadores a partir da "similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas" (§2º)
  • categoria profissional diferenciada: uma categoria profissional que possua lei própria (§3º). É importante levar essa lei própria em consideração quando da análise de negociações coletivas, uma vez que estas não podem retroceder em direitos garantidos em lei.

Normas de referência:

Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas.

§ 1º A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitue o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.
§ 2º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional.
§ 3º Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares.
§ 4º Os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam as dimensões dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a associação é natural .

Art. 512 - Somente as associações profissionais constituídas para os fins e na forma do artigo anterior e registradas de acordo com o art. 558 poderão ser reconhecidas como Sindicatos e investidas nas prerrogativas definidas nesta Lei.

Art. 513. São prerrogativas dos sindicatos :

a) representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou interesses individuais dos associados relativos á atividade ou profissão exercida;
b) celebrar contratos coletivos de trabalho;
c) eleger ou designar os representantes da respectiva categoria ou profissão liberal;
d) colaborar com o Estado, como orgãos técnicos e consultivos, na estudo e solução dos problemas que se relacionam com a respectiva categoria ou profissão liberal;
e) impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas.
Parágrafo Único. Os sindicatos de empregados terão, outrossim, a prerrogativa de fundar e manter agências de colocação.

Liberdade sindical. Convenção n. 87 da OIT

As Convenções da OIT buscam a melhoria das condições de regulação do trabalho. Por isso, sua não ratificação pode ser vista como um "retrocesso".

A Convenção n. 87 da OIT traduz a diretriz internacional sobre a liberdade sindical, dispondo sobre a liberdade de criação, administração, atuação e filiação sindicais. Prevê, em seu art. 2º, a liberdade sindical plena, permitindo a pluralidade sindical (ou seja, que em uma mesma base territorial, haja mais de um sindicato representante de uma mesma categoria profissional ou categoria econômica):
Art. 2º Trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão o direito de constituir, sem prévia autorização, organizações de sua própria escolha e, sob a única condição de observar seus estatutos, a elas se filiarem.


A Convenção n. 87 não foi ratificada pelo Brasil, que adota o sistema da unicidade sindical. Portanto, não temos liberdade sindical plena em nosso sistema.



Fontes normativas e princípios jurídicos do Direito Coletivo do Trabalho

As fontes específicas são:
  • Constituição Federal: arts 7º a 11
  • instrumentos normativos (convenções ou acordos coletivos)
  • sentenças normativas
  • Convenções Internacionais ratificadas
  • CLT
  • leis esparsas (categorias específicas)

O art. 7º da CF garante direitos trabalhistas mínimos, que não podem ser diminuídos por negociação coletiva, salvo quando expressamente prevista essa possibilidade na própria CF.

Os artigos constitucionais encontram-se no final dessa postagem.

Princípios do Direito Coletivo do Trabalho

1. Princípio da Liberdade Associativa e Sidical

Desdobra-se no seguinte:

a) liberdade de se associar, permanecer associado e de reunião
b) garantia à atuação sindical, liberdade de criação de sindicatos e desenvolvimento das relações sindicais (mas essa liberdade é limitada, conforme se vê na próxima aula: Liberdade Sindical. Convenção n. 87 da OIT)

2. Princípio da Autonomia Sindical

Não requer autorização do Estado, sem interferências do Estado. O art. 8º da CF é referência.

3. Princípio da Autonomia Privada Coletiva

As categorias são tratadas em pé de igualdade e as normas convencionadas fazem lei entre as partes.

4. Princípio Confederativo

As organizações sindicais se organizam em sindicatos, federações e confederações.

5. Princípio da Negociação Coletiva

Modalidade de composição de conflitos e de ajuste de condições de trabalho.

6. Princípio da Lealdade e Transparência na Negociação Coletiva

Boa-fé objetiva. Principalmente, as partes devem estar comprometidas a alcançar uma negociação executável para ambas.

7. Inafastabilidade do Direito de Greve

A greve é exercício legítimo da organização sindical.

8. Princípio da Adequação Setorial Negociada

Em determinadas circunstâncias (a professora não disse quais), as normas coletivas autônomas prevalecem sobre as normas heterônomas, respeitando-se o patamar mínimo de direitos trabalhistas garantidos.


Eis os artigos constitucionais:


Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção
 dolosa;
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º)
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
XXIV - aposentadoria;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
a) (Revogada).  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
b) (Revogada).  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.   (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 72, de 2013)

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;
V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;
VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;
VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.

 Art. 11. Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores.

Próxima aula.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Obrigação de dar coisa incerta

O professor fez a análise dos arts. 243 a 246 do CC, sublinhando as seguintes ideias-chave:

a) o gênero não perece (genus nunquam perit)
b) concentração (ato de individualizar um bem que encontrava-se previsto apenas pelo gênero e quantidade)
c) o direito de escolha visto, em princípio, como em favor do devedor (favor debitoris)
d) o direito de escolha visto à luz do princípio da boa-fé e do equilíbrio na relação contratual
e) o direito de escolha visto como um ônus daquele que o detém (que, em princípio, é o devedor)

A partir daí, fez uma leitura dos seguintes dispositivos legais, articulando tais ideias-chave:


Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.

Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor.

Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente.

Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito.

Obrigação de dar coisa certa

O professor explicou os artigos 233 a 242 do Código Civil. Segundo ele, as ideias-chave para a leitura desses artigos devem ser:

a) a distinção entre bem principal e acessório
b) a distinção entre perecimento do bem e sua deterioração
b.1. se tal se deu antes ou depois da tradição ou do implemento de condição
b.2. se tal se deu por fato imputável ou não imputável ao devedor

A partir daí fez uma leitura dos mencionados artigos, sempre fazendo referência a essas ideias-chave. Seguem os artigos:

Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.

Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.

Art. 236. Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indenização das perdas e danos.

Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.

Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes.

Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda.

Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos.

Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239.

Art. 241. Se, no caso do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização.

Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Classificações das obrigações

O professor fez a classificação das obrigações conforme os seguintes critérios:

I - quanto à conduta devida: dar, fazer ou não fazer. A distinção entre elas conduz a diferentes providências quando inadimplidas.

II - quanto à pluralidade de objetos: cumulativas, alternativas e facultativas.

III - quanto à pluralidade de sujeitos e a possibilidade (ou não) de fracionamento do objeto: divisíveis e indivisíveis

Mas também citou algumas espécies, sem fazer uma classificação completa. Mencionou:

a) solidárias: vários devedores e garantidores, sendo que todos se obrigam

b) propter rem ( ou também ab rem ou ambulatórias): obrigações que acompanham a própria coisa da qual surgiram, porque é a coisa que garante a satisfação do crédito. Exemplificou com a cota condominial. Descartou as dívidas pela prestação de serviços públicos de água e energia elétrica, que são pessoais (e não propter rem).

c) modais: sujeitas a condição ou encargo.

Mencionou, por fim, que a distinção entre obrigações de meio, de resultado e de garantia encontra-se questionada atualmente pela doutrina, sem entrar em maiores explicações.

A relação jurídica obrigacional como um processo

Na unidade anterior, vimos a relação jurídica obrigacional numa perspectiva de estrutura, com seus cinco elementos. Tal visão, apensar de não errada, não permite explicar certos fenômenos jurídicos como, por exemplo, a incidência dos deveres anexos à obrigação (como a boa fé objetiva) que atingem tanto devedor como credor; ou os deveres de conduta de ambas as partes, que se mantêm mesmo depois de cumprido o dever principal. Por isso, o estudo da relação jurídica obrigacional deve ser aperfeiçoado com a visão dinâmica, como um processo.

Para tanto, o professor passa por matrizes teóricas hoje superadas, mas cujo conhecimento ajuda a compreender a atual teoria dualista. Cita, inicialmente, as doutrinas pessoalistas, que explicam a relação jurídica obrigacional como um vínculo que ata o devedor ao credor (exemplo, Savigny). Já as doutrinas realistas a explicam como uma relação entre dois patrimônios, afirmando que o crédito só existirá se necessário agredir o patrimônio do devedor.
:
As teorias dualistas, hoje aceitas, fazem distinção entre dívida e responsabilidade (shuld e haftung). Quando a dívida é contraída, já surge a dívida, mas ainda inexigível. A exigibilidade (ou responsabilidade) surge com a pretensão, ou seja, quando o termo final para o cumprimento da dívida não é respeitado. Nessa dicotomia entre shuld e haftung, podemos ter:

a) dívida sem responsabilidade: como vimos, até o termo final de cumprimento da obrigação, temos a dívida, mas ainda não existe a exigibilidade. Outro exemplo são as dívidas de jogo, que, no Brasil, não são exigíveis.

b) responsabilidade sem dívida: como é o caso do fiador, que não é devedor, mas garantidor de um crédito.



Relação jurídica obrigacional: elementos

Uma relação jurídica obrigacional consiste na relação entre duas pessoas, na qual uma delas (devedor) deve desempenhar cerca conduta de interesse da outra (credor) e que pode ser exigida coativamente se não desempenhada oportunamente.

São cinco os elementos que configuram uma relação jurídica obrigacional. Os três primeiros são amplamente aceitos. Os dois últimos são discutidos pela doutrina.

a) sujeitos (em cada polo da relação pode haver mais de um credor ou mais de um devedor)
b) objeto, que conceitualmente se divide em objeto imediato (que é a prestação, externalizada em um dar, fazer ou não fazer) e em objeto mediato (que é o bem da vida a ser dado, feito ou não feito).
c) vínculo, que é o ato jurídico que fez surgir a relação entre os sujeitos (contrato, declaração unilateral de vontade ou ato ilícito)
d) garantia patrimonial: o patrimônio do devedor garante o adimplemento da obrigação
e) patrimonialidade do objeto da prestação

Lacunas e o estudo das antinomias

Conforme o art. 3o da LINDB, ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece (princípio da obrigatoriedade das leis). Há, no entanto, um caso interessante na Lei de Contravenções Penais (DL 3.688/41, art. 8o), segundo o qual "No caso de ignorância ou de errada compreensão da lei, quando escusáveis, a pena pode deixar de ser aplicada".

Existem quatro tipos de lacuna:
  • lacuna normativa: ausência de norma
  • lacuna ontológica: a norma existe, mas não tem eficácia social
  • lacuna axiológica: a norma existe, mas, se aplicada, gerará uma injustiça
  • lacuna de colisão: quando ocorre antinomia real, o que será visto a seguir.
Antinomia significa conflito entre normas. Pode ser aparente (quando o sistema jurídico prevê critério para solucioná-la) ou real (quando não há critério de solução).

Os critérios previstos no sistema jurídico são três:
  • especialidade: norma especial prevalece sobre norma geral
  • hierárquico: norma superior prevalece sobre norma inferior
  • cronológico: norma posterior prevalece sobre norma anterior

Quando duas normas estão em conflito e somente é aplicável um critério, temos a chamada antinomia de primeiro grau. Assim, se duas normas estão em conflito e uma é posterior à outra, não havendo hierarquia ou especialidade, por exemplo, temos uma antinomia de primeiro grau, pois um único critério está em jogo. Em casos como esse (antinomia de primeiro grau), a solução está em aplicar o critério. Assim, todas as antinomias de primeiro grau são aparentes.

O problema se dá quando temos uma antinomia de segundo grau, que ocorre quando há dois critérios envolvidos. Por exemplo, conflito entre uma norma hierarquicamente superior e anterior a outra norma. Ensina-se o seguinte:
  • no conflito entre critério da especialidade e cronológico, prevalece o da especialidade. Assim, uma norma especial anterior, prevalece sobre a norma geral posterior.
  • no conflito entre critério hierárquico e cronológico, prevalece o hierárquico. Assim, norma superior anterior prevalece sobre norma inferior posterior.
  • no conflito entre critério hierárquico e critério da especialidade, não há solução e, por isso, temos a chamada antinomia real. A doutrina ensina que, neste caso, o juiz deve afastar as duas normas (por isso se diz que ocorre lacuna de colisão) e, uma vez afastadas, tem-se lacuna que deverá ser solucionada com os mecanismos de integração vistos na unidade anterior (analogia, costumes e princípios gerais do Direito).

Obs.: é isso o que o professor afirma sobre antinomia real. No entanto, pesquisando, pude constatar que a antinomia real se daria entre os critérios da especialidade e cronológico. Assim, entre norma especial-anterior e norma geral-posterior não haveria solução. E, quanto ao conflito entre norma superior-geral e inferior-especial, prevaleceria a superior.



Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: aspectos gerais e mecanismos de integração

Trata-se do conjunto de normas que regulam outras noras jurídicas, procurando solucionar conflitos de leis no tempo e no espaço, estabelecer critérios de interpretação e de integração do ordenamento jurídico, regular a vigência e eficácia das normas e cuidar de novas de Direito Internacional Privado.

O professor Christiano Cassetari destacou a questão da integração do ordenamento. Distinguiu duas espécies de fontes do direito, a saber:
  • fontes imediatas (formais ou diretas):
    • primárias: lei e súmulas vinculantes
    • secundárias: analogia, costumes e princípios gerais do Direito (aplicáveis na ausência de lei, dada a vedação ao non liquet, ou seja, ao "não está claro". Assim, o juiz não pode se negar a decidir alegando ausência ou falta de clareza da lei).
  • fontes secundárias: doutrina, jurisprudência equidade.
Classicamente, entendia-se que a ordem estabelecida no art. 4o da LINDB (lei, analogia, costumes e princípios gerais do Direito) deveria ser obedecida. No entanto, dado que atualmente se enfatiza o caráter principiológico do Direito, entende-se que essa ordem não precisa ser estabelecida. Os princípios são aplicados conjuntamente com a lei, quando não com primazia.

As fontes secundárias não são aplicadas diretamente pelo julgador, mas influenciam na formação das fontes primárias.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Fontes do Direito Constitucional

Não há consenso sobre o tema. Pode-se dizer que as fontes do Direito Constitucional se dividem em duas: a fonte originária e as fontes derivadas.

No sistema romano-germânico, a constituição escrita é a fonte originária do direito constitucional. Já as fontes derivadas se subdividem em delegadas e reconhecidas. As fontes delegadas são as normas estabelecidas por órgãos inferiores aos quais a Constituição atribuiu competência (é o caso das leis, dos regulamentos e da jurisprudência). As fontes reconhecidas são as normas que são acolhidas pela Constituição (como as leis anteriores à Constituição e os costumes constitucionais).


Como exemplo de costume constitucional, podemos citar a indicação de membros do Ministério Público Federal para o cargo de Procurador Geral da República.

Direito Constitucional: natureza, objeto e definição

1. Natureza

Tradicionalmente, afirma-se que o Direito Constitucional é ramo do direito público. No entanto, como a Constituição é o fundamento de validade de todas as outras normas do sistema, melhor seria dizer que o Direito Constitucional, mais do que simples ramo, é o tronco do qual derivam todos os demais ramos.

Características que distinguem o Direito Constitucional dos demais ramos do Direito:
  • supremacia do direito constitucional sobre todas as demais normas, do que decorre o caráter vinculante da Constituição
  • abertura da Constituição, que permite:
    • sua comunicação com outros sistemas jurídicos, oferecendo-lhes uma diretriz (servindo, assim, como norma marco)
    • a persecução de diferentes concepções e objetivos políticos, de acordo com as mudanças sociais
    • a adaptação à evolução histórica para assegurar a própria existência e eficácia da Constituição
  • inexistência de uma instância superior capaz de impor o cumprimento da Constituição, o que impõe uma configuração da própria Constituição capaz de assegurar sua observância, mediante a independência e harmonia entre os poderes (garantia imanente).
2. Objeto

O objeto do Direito Constitucional é o estudo de normas fundamentais de um ou mais Estados.
Por "normas fundamentais" deve-se entender aquelas que tratam de:
  • direitos fundamentais
  • estrutura do Estado
  • organização dos Poderes
Esse estudo das normas fundamentais de um ou mais Estados pode se dar fundamentalmente de três formas distintas, levando alguns autores a criar subdivisões dentro do Direito Constitucional, que seriam as seguintes:
  • direito constitucional positivo (particular ou especial): tem por objeto o estudo de normas constitucionais vigentes em um determinado Estado (por exemplo, o direito constitucional brasileiro)
  • direito constitucional comparado: tem por objeto o estudo de normas constitucionais positivas, vigentes ou não, de diversos Estados, para destacar singularidades e contrastes
  • direito constitucional geral: é semelhante ao direito constitucional comparado, pois também tem por objeto o estudo das normas de diversos Estados, mas se torna diferente porque o faz para identificar pontos comuns e, assim,  estabelecer uma teoria geral do direito constitucional
3. Definição

É o ramo do direito público que tem por objeto o estudo sistematizado das normas fundamentais de um ou mais Estados.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Os conflitos coletivos de trabalho e mecanismos para sua solução

Os conflitos coletivos de trabalho (também chamados dissídios) podem ser:
  • econômicos: dizem respeito às condições de trabalho (como salário, uso de equipamentos, prestação de planos de saúde), em que se busca criar normas para regular tais condições
  • jurídicos: dizem respeito à interpretação de normas já existentes
Tais conflitos podem ser solucionados pela autocomposição ou pera heterocomposição. Na autocomposição, as próprias categorias de empregados e de empregadores pactuam um acordo, sem intervenção de um terceiro. Fala-se, então, de negociação coletiva.

Diferentemente, na heterocomposição, existe a intervenção de um terceiro para a solução do dissídio. É possível que seja feito através da arbitragem, mas não é usual. O mais comum é que seja feita pelo Poder Judiciário. Neste caso, a intervenção é impositiva (desde que cumpridas algumas exigências legais, como, por exemplo, que se prove que se frustraram tentativas de negociações coletivas anteriores). Cabe originariamente aos TRTs o julgamento desses dissídios.

A decisão do TRT nos dissídios coletivos é dada através da sentença normativa. Trata-se de um ato que formalmente se apresenta como sentença, mas que a doutrina equipara à lei em sentido material porque cria normas gerais, impessoais, abstratas e obrigatórias entre as partes do dissídio.

A CLT (art. 868, parágrafo único) determina que o TRT estabeleça o prazo de vigência de suas sentenças normativas, que não pode ultrapassar quatro anos. No entanto, a Súmula 277 do TST passou a determinar:
“As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.”
Isso significa que uma cláusula passa a integrar os contratos entre empregador e empregado, ou seja, se incorporam a este contrato, permanecendo até que nova negociação coletiva ocorra. A esta característica é dado o nome de "ultratividade das normas coletivas".

Direito Coletivo do Trabalho: definição, denominação e função

O Direito Coletivo do Trabalho é um ramo do Direito do Trabalho, composto por institutos, princípios e regras jurídicas que regulam as relações empregatícias de grupos legalmente constituídos, a quem cabe a representação de empregados e empregadores, em interesses coletivos, manifestando-se por meio de acordos ou convenções coletivas de trabalho.

Ramo do Direito do Trabalho: o Direito do Trabalho se subdivide em
  • Direito Individual do Trabalho: regula os contratos de emprego e de trabalho, em que por um lado há um trabalhador específico e de outro o tomador do trabalho.
  • Direito Coletivo do Trabalho: regula as relações entre as organizações coletivas de empregados e empregadores na qualidade de representantes dos mesmos. Serve para legitimar a atuação das entidades substitutivas dos interesses de empregados e empregadores, de forma coletiva.
A denominação mais atual é "Direito Coletivo do Trabalho", mas alguns autores também o chamam de "Direito Sindical". Não está errado, mas é expressão mais restrita.

Tem como funções principais:
  • melhorar as condições de trabalho. Por isso, negociações que reduzam as condições mínimas previstas na Constituição fogem dessa função.
  • elaborar normas jurídicas coletivas
  • pacificar conflitos coletivos de trabalho. O Judiciário, neste caso, atua como facilitador das tratativas entre as categorias.
Próxima aula dessa matéria.

Direito objetivo e direito subjetivo

Didaticamente, procura-se classificar institutos jurídicos a partir de dicotomias, que são um modo de classificação em que as divisões e subdivisões não têm mais de dois termos. Assim, por exemplo, se distinguem lex ius, direito natural x direito positivo, direito público x direito privado, direito material x direito processual. Da mesma forma, a distinção entre direito objetivo x direito subjetivo.

Direito objetivo pode significar:
  • todo o sistema jurídico
  • um conjunto de normas pertencente a este sistema
  • um preceito isolado dentro do sistema
Em todos os casos, o direito objetivo significa a "norma". Não se deve confundir com "lei" (norma escrita), porque também é direito objetivo o costume.

Direito subjetivo é o reflexo do direito objetivo numa pessoa. Em razão da norma, tal pessoa passa a gozar de direitos. A professora não conceitua o direito subjetivo, mas podemos dizer que se trata de um poder de fazer valer juridicamente sua própria vontade.

Não se deve confundir essa dicotomia com aquela outra entre direito natural x direito positivo. O direito natural seria o conjunto de normas eternas, invariáveis, que servem como limitação ao poder do governante (ou do Estado). Direito positivo é o conjunto também de normas, mas disposto por vontade humana (como o Estado). Nesse sentido, "positivação" seria o ato de dispor em normas criadas pelo Estado sobre direitos antes tidos como naturais. Hoje, com a positivação dos chamados "direitos naturais", essa classificação se tornou obsoleta, e tais direitos são chamados de "direitos humanos"