segunda-feira, 17 de março de 2008

Noções de hermenêutica constitucional

Por favor, não se desespere com esse assunto. É um pouco difícil no início, mas vale a pena estudá-lo, pois está sendo cada vez mais cobrado em concursos.

1. Diferença entre hermenêutica e interpretação
(Questão da prova do TRF-1ª Região).

Interpretação: é a revelação do sentido e fixação do alcance da norma jurídica.

Hermenêutica: é a ciência que fornece os instrumentos para a interpretação.

2. Necessidade de métodos específicos de interpretação da Constituição

O direito constitucional não pode ser interpretado conforme os critérios tradicionais, pelo seguinte:
  1. grande quantidade de princípios, sobretudo no âmbito dos direitos fundamentais. Na verdade, esses métodos específicos se aplicam justamente aos direitos fundamentais, porque se expressam em princípios;
  2. diversidade das normas constitucionais quanto ao seu objeto e à sua eficácia. Essa diversidade dificulta uma interpretação sistemática.
  3. conteúdo político e sua rebeldia perante os quadros lógicos da hermenêutica. A Constituição é essencialmente política (ou, como diz Canotilho, é o estatuto jurídico do fenômeno político).
  4. pré-compreensão ou ideologia do intérprete. Ninguém é neutro, o conjunto de idéias de uma pessoa influencia em sua interpretação.
Esses métodos são abordados a seguir.

2.1. Método jurídico (ou método hermenêutico clássico)

Utiliza os elementos tradicionais de interpretação, desenvolvidos por Savigny (gramatical, histórico, lógico, sistemático) e tem como principal formulador Ernest Forsthoff.

Este autor parte da tese da identidade entre a Constituição e a Lei. Se a Constituição é uma lei, deve ser interpretada conforme os elementos de interpretação das leis. Suas peculiaridades não levam a afastar esses métodos.

Crítica: quando Savigny desenvolveu os métodos, pensava exclusivamente no direito privado. Por isso, esses elementos são insuficientes para interpretar a Constituição.

2.2. Método científico-espiritual (ou sociológico, ou valorativo, ou integrativo)

Tem como principal expoente Rudolf Smend.

Busca o espírito da Constituição, ou seja, os valores consagrados nela. Para esse método, os valores supremos estão no Preâmbulo.

Devemos associar esse método ao sistemático, pois parte da mesma premissa: a Constituição deve ser interpretada em conjunto, como um todo unitário. O que distingue esse método do sistemático é que, no sistemático, o conjunto são apenas as normas (é positivista). Mas o método científico-espiritual leva em consideração fatores extra-constitucionais, como, p. ex., a realidade social de um determinado momento histórico (é por isso também chamado de método sociológico).

Crítica: indeterminação e mutabilidade dos resultados.

Os próximos métodos são chamados de aporéticos, porque estão baseados na solução do problema a ser resolvido.


2.3. Método tópico problemático

Principal doutrinador: Theodor Viehweg


É uma reação ao positivismo e se baseia no método chamado “Topos” (topoi - plural). Topos é um esquema de pensamento, um argumento, uma forma de raciocínio. Para melhor compreensão, vejamos dois topoi utilizados pelo STF em diversas decisões:
  • interpretação restritiva que se deve dar às normas excepcionais – pensamento (topos) utilizado pelo STF em vários casos;
  • os direito fundamentais não devem servir como escudo protetivo para salvaguardar práticas ilícitas – entendimento (topos) que o STF vem aplicando com rotina – ex: violação de correspondência utilizada por pessoa que pretende a prática de crime utilizando os Correios.

Esses esquemas de pensamento são retirados da doutrina, da jurisprudência ou dos princípios gerais do direito.

É também chamado de problemático porque esse método tem como ponto principal um problema a ser resolvido. Problema, aqui, é uma questão jurídica relevante, que tem mais de uma solução possível. Existe uma série de argumentações em torno do problema, a favor e contra determinado ponto de vista, até se encontrar um determinado consenso. A argumentação que vai vencer é a que for mais convincente, não necessariamente a melhor.

Críticas

  • a sua utilização pode conduzir a um casuísmo ilimitado – casos semelhantes resolvidos de forma diferente.

  • parte do problema para a norma. Uma maneira de seguir esse método seria o intérprete que, diante de um caso difícil, primeiro forma sua convicção e depois vai ao ordenamento jurídico em busca das normas que possam fundamenta-la. Esse procedimento seria criador de um casuísmo ilimitado.

  • investigação superficial da jurisprudência

2.4. Método hermenêutico concretizador

Konrad Hesse é o principal expoente desse método.

Surge como tentativa de corrigir os defeitos apontados pela crítica ao método tópico-problemático. Hermenêutico, porque se trata de interpretação; concretizador, porque se trata de aplicação de uma norma a um caso concreto.

A premissa desse método é de que interpretação e aplicação consistem em um processo unitário. Não há aplicação de uma norma sem que ela seja primeiro interpretada. Da mesma forma, só se interpreta uma norma se for para aplicá-la, ou seja, não existe interpretação apenas teórica, já que a interpretação só é possível diante de um caso concreto a ser resolvido.

Existem três elementos básicos:

  • Problema (já que se trata de um método aporético)

  • Norma a ser concretizada

  • Compreensão prévia do intérprete quanto à norma e o problema.

Só pode interpretar a constituição quem tem a compreensão prévia da norma e do problema.

Enquanto o método tópico-problemático parte do problema para a norma, aqui há uma primazia da norma sobre o problema.


2.5. Método normativo-estruturante (ou método concretista)

Advogado por Friederich Müller. É feita uma estrutura de concretização da norma através de vários elementos.

Principais elementos:

  • Metodológicos (gramatical, lógico, histórico, sistemático),
  • Princípios Interpretativos,
  • Teóricos (fornecidos pela teoria da Constituição),
  • Dogmáticos (jurisprudência e a doutrina),
  • Política Constitucional (análise das conseqüências da decisão a ser tomada)

Para entender esse método, é importante compreender a distinção feita por Müller entre domínio normativo e programa normativo: quando o intérprete vai interpretar uma norma, deve considerar esses dois aspectos.

O domínio é a realidade social sobre a qual a norma será aplicada. O programa normativo é a norma propriamente dita e o seu texto (forma de exteriorização da norma; a norma só surge depois de sua interpretação).

Crítica (Paulo Bonavides): depois de abrir-se para a realidade social (leva em consideração o domínio normativo, a política constitucional), este método assenta o seu último postulado em uma estrutura jurídica limitativa, porque estabelece uma hierarquia em que os elementos ligados à norma (elementos metodológicos, teóricos) são superiores aos demais elementos (dogmáticos, política constitucional).

2.6. Método concretista da Constituição Aberta

Apresentado por Peter Häberle.

Todo aquele que vive a Constituição é um seu legítimo intérprete (até porque para vivê-la é necessário antes interpretá-la). Se a Constituição é dirigida a todas as pessoas, devem todos poder interpretá-la. Por isso, defende uma sociedade aberta de intérpretes.

Paulo Bonavides comenta alguns requisitos necessários para esse método:

  • Sólido consenso democrático

  • Instituições fortes

  • Cultura política desenvolvida

Ou seja, requisitos ainda não encontrados no Brasil.

2. Limites e extensão da interpretação

A discussão sobre os limites e a extensão da interpretação tem origem nos EUA, e sobre ela podemos distinguir duas posturas principais: o interpretativismo e o não-interpretativismo.

O interpretativismo é também chamado de textualismo, originalismo ou preservacionismo. Essa postura defende o respeito quase que absoluto ao texto da constituição, a fim de se atender à vontade do constituinte originário (os chamados pais fundadores da América) e preservá-la.

A função do juiz não é criar novos direitos, mas apenas aplicar os direitos criados pelo constituinte originário, pois é este o representante da soberania popular. Do contrário, o juiz estaria violando dita soberania. Assim, a decisão do juiz não deve substituir a decisão política legislativa da maioria democrática.

Ao contrário de Kelsen, para o qual a norma estabelece a moldura dentro da qual o juiz pode escolher a interpretação que julgar mais conveniente, a postura interpretativista advoga pela possibilidade de haver uma única interpretação correta da Constituição.

Quanto ao não-interpretativismo, tem por pressuposto que cada geração tem o direito de viver a constituição ao seu modo. E é o Poder Judiciário que interpreta a Constituição de acordo com os valores do momento. Aqui estamos próximos à idéia de ativismo judicial.

Para uma compreensão histórica do problema do ativismo judicial, leia: Problema com o governo dos juízes: sobre a legitimidade democrática do judicial review.

Assim:


Interpretativismo

Não interpretativismo

Conservador

Progressista

- Textualismo: respeito quase absoluto ao texto da constituição

- Originalismo: respeito quase absoluto ao texto da constituição, preservando a vontade do constituinte originário

- Preservacionismo: preservar o texto orginal

A função do juiz é apenas no sentido de interpretar e aplicar o texto constitucional e não modificá-lo, pois isto seria uma violação da vontade constituinte e da soberania popular.

Só existe uma interpretação correta – a que revela o entendimento do constituinte originário, ao contrário do que sustenta Kelsen.

- Pressuposto básico: cada geração tem o direito de viver a constituição ao seu modo.

- Poder Judiciário – interpreta a constituição de cada geração e não de acordo com a vontade do constituinte originário.



3. Postulados de Interpretação das Leis

Normalmente, os postulados de interpretação das leis são chamados de princípios. Mas, aqui, estamos adotando a distinção feita por Humberto Ávila entre princípios e postulados.

Já vimos aqui essa distinção feita pelo autor. Os princípios apontam um fim a ser alcançado, um valor a ser realizado. Os postulados seriam normas de segundo grau que estruturam a aplicação de outras normas. Você lembra? Veja:

Além das regras e dos princípios, Humberto Ávila trabalha com uma terceira categoria de normas: os postulados normativos. Estes seriam metanormas que impõem um dever de segundo grau, consistente em estabelecer a estrutura de aplicação de outras normas.

Ou seja, os postulados normativos determinam como as normas devem ser aplicadas. Assim, teríamos como exemplos:

a) de regra: "Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança" (art. 1789, CC).

b) de princípio: "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (art. 5º, IV, CF)

c) de postulado normativo: princípio (ou postulado) da salvaguarda do núcleo essencial que, como já vimos, determina que "não é legítima a solução que, a pretexto de harmonizar a convivência entre direitos fundamentais, opera a eliminação de um deles, ou lhe retira a sua substância elementar".

Exemplos de postulados normativos: supremacia da Constituição, proporcionalidade, proibição de excesso. Veja que tais postulados se destinam a definir como as normas (regras ou princípios) devem ser aplicados. Luis Roberto Barroso chama os postulados normativos de princípios instrumentais.

Dizemos aqui que se tratam de postulados de interpretação das leis (e não da Constituição). Isso porque implícita a qualquer interpretação das normas infra-constitucionais está a análise de sua adequação à Constituição. Como afirma Luis Roberto Barroso, toda interpretação jurídica é uma interpretação constitucional.

Trata-se, aqui, da chamada “filtragem constitucional”, ou seja, a interpretação das normas infra-constitucionais à luz da constituição. É um dos aspectos da Constitucionalização do Direito.

Leia Novos desafios da filtragem constitucional no momento do neoconstitucionalismo

3.1. Princípio da Supremacia da Constituição

É um pressuposto para a aplicação dos demais princípios. Parte da premissa de que, se o Poder Constituinte está acima de todos os demais poderes, a Constituição feita por ele só pode ser a norma suprema do ordenamento jurídico.

Como conseqüência, no plano dogmático e positivo, temos que a Constituição é o fundamento de validade de todas as normas do ordenamento jurídico, determinando a forma de sua criação e o seu conteúdo.

3.2. Princípio da Presunção de Constitucionalidade das Leis

É decorrência da supremacia. Se os poderes públicos – dentre eles, o Legislativo – retiram sua competência da Constituição, presume-se que seus atos estão de acordo com ela.

Embora seja presunção relativa (iuris tantum), será quase absoluta quando for declarada constitucional pelo STF. Não é absoluta, porque o STF não fica vinculado à decisão anterior e pode alterá-la.

Essa presunção, é reforçada pelo controle preventivo de constitucionalidade das leis, exercido por todos os poderes:

  • Poder legislativo, através da Comissão de Constituição e Justiça

  • Poder Executivo, pelo veto jurídico que pode ser feito pelo Presidente da República no processo legislativo (veto jurídico é aquele fundamentado na inconstitucionalidade da lei; veto político é aquele fundamentado na contrariedade da lei ao interesse público – art. 66 da CF).

  • Poder Judiciário, de forma excepcional através de mandado de segurança impetrado por parlamentar, para que seja observado o devido processo legislativo (trata-se de um direito público subjetivo do parlamentar).

A presunção da constitucionalidade da lei tem a importante função de manter a imperatividade da norma jurídica: enquanto a norma não for declarada inconstitucional, deve ser observada e seu descumprimento acarretará em sanções. Assim, se houver dúvida sobre a constitucionalidade da lei, deve ela ser tida por todos e declarada constitucional pelo Judiciário


3.3. Princípio da interpretação conforme à Constituição

Só pode ser aplicado quando estamos diante de norma polissêmica (ou plurissignificativa), ou seja, norma que tem mais de um significado possível. Isso porque esse postulado propõe que diante de duas interpretações possíveis, deve-se preferir a interpretação que lhes dê um sentido em conformidade com a Constituição (Vicente Paulo, 55).

Na utilização desse princípio, dois limites devem ser observados:
  1. clareza do texto legal: não dispensa a interpretação (até porque só se sabe se a norma é clara depois da interpretação), mas impede a interpretação conforme, pois será unívoca.
  2. fim pretendido pelo legislador: se a finalidade do legislador é inconstitucional, o juiz não pode utilizar-se desse princípio para salvar a norma.
Esse princípio é uma limitação ao Poder Judiciário, evitando que declare a inconstitucionalidade de uma lei quando pode lhe dar uma interpretação conforme.

O STF trata o princípio da interpretação conforme à Constituição como equivalente à declaração de nulidade sem redução de texto (ou declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto). Esta consiste em declarar que uma norma é inconstitucional se for interpretada de tal forma.

Para Marcelo Novelino, tratam-se de situações que possuem traços em comum, mas que são distintas.

Traços em comum:
  • dar outra finalidade para adequar a norma à CF.
  • podem ser utilizados tanto no controle difuso quanto no concentrado (ver Lei nº 9.868, art. 28, ainda que essa lei só se refira ao controle concentrado)
  • não há qualquer alteração no texto da norma
  • há uma redução no âmbito de aplicação da norma
  • segundo o STF, em ambos os casos não se exige a observância da cláusula da reserva de plenário (art. 97, CF). Ou seja, mesmo uma Turma pode declarar a nulidade sem redução de texto.
Traços distintivos:
  • a interpretação conforme é um princípio, enquanto que a declaração de nulidade é uma técnica de decisão judicial. Ou seja, qualquer um (doutrinador, p. ex.) pode se utilizar do princípio, mas somente o Judiciário pode declarar parcialmente a inconstitucionalidade sem redução de texto.
  • o princípio corresponde a um juízo de constitucionalidade; a declaração de nulidade a um juízo de inconstitucionalidade. Em geral, o STF julga a ação parcialmente procedente.

3.4. Princípio da simetria

Segundo esse princípio, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas devem seguir o modelo da CF. É aplicado às Constituições Estaduais e às Leis Orgânicas. Tais diplomas devem seguir o modelo da CF. É um princípio implícito nos arts. 25 e 29 da Constituição:


Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos...


A simetria só se aplica a normas destinadas à União e que devem ter observância obrigatória por Estados, DF e Municípios (é preferível a expressão "observância obrigatória" e não "reprodução obrigatória", pois pode haver observância sem reprodução literal). O princípio da simetria não tem nada a ver com normas dirigidas a todos os entes federativos, mas com normas destinadas à União que, se previstas nas Constituições Estaduais ou Leis Orgânicas, devem observar obrigatoriamente o que dispõe a CF. Ex.: eventual previsão de possibilidade de Medida Provisória em certa Constituição Estadual.

São normas de observância obrigatória:
  • Princípios básicos do processl legislativo. Por exemplo, se o art. 61, §1º estabelece matérias de iniciativa privativa ao Presidente da República, matérias afins deverão ser de iniciativa privativa de Governadores e de Prefeitos.
  • Tribunal de Contas: o art. 71 prevê as competências do TC da União e que devem ser necessariamente as dos TCEs.
  • Requisitos para a criação de CPI: o modelo do art. 58, §3º deve ser observado pelos Estados (requerimento de pelo menos 1/3 dos membros da Assembléia, apuração de fato determinado, prazo certo de duração). Há divergência sobre a possibilidade de haver CPI para Municípios: favoravelmente, o argumento do princípio da simetria; contrariamente, o argumento de que CPI tem poderes equivalentes ao do Judiciário e o Município não possui Judiciário.

3.5. Princípio da unidade

Cabe ao intérprete harmonizar as tensões e conflitos existentes entre normas da Constituição (lembrar que ela é fruto de vários pactos, de correntes ideológicas distintas). Esse princípio afasta a tese da hierarquia entre normas constitucionais (defendida por Otto Bachoff, em meados do século passado).



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3.6. Princípio do efeito integrador

Muito próximo do anterior (ambos são especificações da interpretação sistemática), para esse princípio a Constituição é o mais importante elemento da integração comunitária, e, pois, na sua interpretação deve-se buscar o sentido que mais favoreça a unidade política e social.

3.7. Princípio da concordância prática (ou da harmonização)

Também intimamente ligado aos dois anteriores, é utilizado para resolver colisões, ou seja, conflitos no caso concreto. Por exemplo, conflito entre direito à privacidade e direito à informação.

rata-se de um conflito na prática e nisso se difere do princípio da unidade, que é utilizado quando há conflito em abstrado (campo da validade). Veja que em abstrato o direito à privacidade não tem nada a ver com o direito à informação.


Diante da colisão entre princípios, deve-se buscar a redução proporcional do âmbito de aplicação de cada um deles, evitando-se o sacrifício total de um para a preservação do outro. Isso deve ser buscado, embora nem sempre seja possível.

3.8. Princípio da convivência entre as liberdades públicas (ou princípio da relatividade)


Só há liberdade onde existe restrição de liberdade”. Dentro dessa linha de raciocínio, não pode haver direito absoluto numa sociedade pluralista, onde existem diversos direitos reconhecidos. Qualquer direito pode ser mitigado em circunstância especiais.


Nem mesmo a dignidade da pessoa humana pode ser considerado um direito absoluto acima de tudo e de qualquer outro. Por exemplo: alguém pode ficar 30 anos preso, e isso sem dúvida afeta sua dignidade.

Assim, não existem princípios com caráter absoluto, todos são relativos por encontrarem limites em outros direitos também consagrados pela CF.


3.9. Princípio da força normativa

Na interpretação das normas constitucionais, deve-se atribuir-lhes o sentido que confira maior efetividade, tornando-as eficazes e permanentes.


3.10 Princípio da máxima efetividade

Esse princípio surgiu como tentativa de dar maior efetividade às normas programáticas. Hoje, é aplicado especialmente aos direitos fundamentais: devem ser interpretados no sentido que confira a maior efetividade possível. É o mesmo que princípio da força normativa, mas aplicado aos direitos fundamentais.

Segundo Ingo Sarlet, o princípio da máxima efetividade tem fundamento no art. 5º, §1º:
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Na interpretação dos direitos fundamentais deve-se atribuir-lhes o sentido que confira a maior efetividade possível, para que cumpram a sua função social.

Efetividade é diferente de eficácia. Efetividade é o cumprimento da função social para a qual a norma foi criada. Aqui, cabe fazer uma distinção entre os planos da existência, validade, eficácia, vigência e efetividade.

  • existência: norma existente é a norma elaborada por uma autoridade, aparentemente competente para a prática do ato. Ou seja, lei feita pelo Congresso, Medida Provisória feita pelo Presidente.
  • validade: ocorre quando a norma é elaborada de acordo com a forma e o conteúdo determinados por outra norma superior. Por ex.: lei em relação à Constituição. Assim, quando se fala em validade, está-se analisando a compatibilidade de forma e/ou conteúdo da norma inferior em relação à superior;
  • eficácia: é a aptidão da norma para produzir os efeitos que lhe são próprios. É um atributo de todas as normas constitucionais. Não significa, entretanto, que esteja produzindo tais efeitos. Essa eficácia é em regra imediata, mas poderá haver a eficácia diferida, como no caso da norma de eficácia limitada.
  • vigência: é a inserção da norma no mundo jurídico, o que não significa necessariamente que vá começar a produzir efeitos. Veja o exemplo do art. 16 da CF, que dispõe que
    Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
  • efetividade: ocorre quando a norma cumpre a função social para a qual ela foi criada. Tem aptidão e produz os efeitos que lhe são próprios.
3.11. Princípio da conformidade funcional

É chamado por Canotilho de "princípio da justeza". Significa que cada poder deve agir conforme à função que lhe foi atribuída. É visto por alguns mais como uma regra de competência do que como um princípio propriamente. O principal destinatário deste princípio seria a corte constitucional, e sua finalidade seria impedir que sejam subvertidas as funções estabelecidas pela Constituição, evitando que a corte constitucional se sobreponha aos outros Poderes.

3.12. Princípio da proporcionalidade (razoabilidade)

A origem jurídica desse princípio pode ser encontrada na Magna Carta de 1215, extraído da cláusula do devido processo legal em seu caráter substantivo.

Sua aplicação inicial se deu no direito administrativo, especialmente no tocante ao exercício do poder de polícia; mas hoje é um dos mais importantes princípios do direito constitucional.

Sua princípal função é servir como critério de aferição da legitimidade de todo e qualquer ato praticado pelos poderes públicos.

Proporcionalidade e razoabilidade são termos que podem ter significados diferentes, mas a doutrina e jurisprudência brasileira utilizam os dois termos com um mesmo sentido. Os autores brasileiros influenciados pelo direito alemão preferem o termo proporcionalidade (Gilmar Mendes, Paulo Bonavides); os autores influenciados pelo direito americano preferem razoabilidade (Luis Roberto Barroso).

Existe uma discussão doutrinária quanto ao fundamento normativo desse princípio. Trata-se, certamente, de um princípio implícito na Constituição, mas que poderia ser deduzido do:

  • Sistema de direitos fundamentais (minoritário): se a finalidade da criação dos direitos fundamentais e das constituições foi proteger o indivíduo contra a arbitrariedade do Estado, este não pode criar normas desarrazoadas ou desproporcionais.
  • Princípio do estado de direito (também minoritário): segundo a doutrina germânica, esse princípio é deduzido do princípio do Estado de Direito (na CF, art. 1º). Se nós temos um Estado de Direito, em que o Estado deve obediência à lei, pressupõe-se que as normas sejam razoáveis e proporcionais.
  • Caráter substantivo da cláusula do devido processo legal: advindo da doutrina norte-americana.

Este princípio costuma ser dividido em três sub-princípios ou máximas parciais:

  • Adequação – consiste numa relação entre meio e fim. O meio utilizado tem que ser um meio apto, adequado para se chegar ao fim desejado. Ex.: proibição de bebidas alcoólicas em estádio de futebol – meio: proibição de venda de bebidas; fim: redução da violência.
  • Exigibilidade ou Necessidade ou princípio da menor ingerência possível – não basta que o meio utilizado seja um meio apto a alcançar o objetivo desejado. Deve-se optar pelo meio menos gravoso possível. Jellinek diz – “Não se deve abater pardais com canhões”. Ex.: a multa deve preceder o fechamento de um estabelecimento. Quando o Judiciário é chamado a se manifestar nesses casos, acaba por interferir no mérito do ato legislativo ou ato administrativo, pois terá que avaliar se o ato é ou não mais gravoso que outro. Por essa razão, em muitos países não se aplica esse princípio. No Brasil, admite-se a sua utilização, mas com parcimônia e prudência.
  • Proporcionalidade em sentido estrito – é uma relação custo-benefício. Se uma medida tem um custo maior do que o benefício, é uma medida desproporcional e não deve ser utilizada. Quando Alexy fala em princípio da proporcionalidade, refere-se à lei de ponderação, assim formulada por ele: Quanto maior for a intensidade da intervenção em um direito fundamental, maiores hão de ser os motivos que justifiquem esta intervenção. Ex.: determinação de pesar o botijão de gás – o custo para fazer a pesagem seria embutido no preço final do produto. Veja recente decisão do STF, publicada no Informativo nº 497 (trata-se da ADI nº 855-PR, ainda não publicada):
Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio - CNC contra a Lei 10.248/93, do Estado do Paraná, que obriga os estabelecimentos que comercializem Gás Liquefeito de Petróleo - GLP a pesarem, à vista do consumidor, cada botijão ou cilindro vendido — v. Informativo 207. Entendeu-se caracterizada a ofensa à competência privativa da União para legislar sobre energia (CF, art. 22, IV), bem como violação ao princípio da proporcionalidade. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Menezes Direito, que julgavam improcedente o pedido, por considerarem que a norma impugnada não disporia sobre energia, mas sim sobre proteção e defesa do consumidor (CF, art. 24, VIII), nem ofenderia o princípio da proporcionalidade.

4 . Valor hermenêutico do preâmbulo da Constituição

Todas as constituições brasileiras até aqui tiveram preâmbulo. O da CF/88 é o seguinte:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

A principal discussão sobre preâmbulo é a sua natureza. Jorge Miranda (português) aponta três teses com relação ao preâmbulo:

  • Tese da irrelevância jurídica – o preâmbulo não se situa no domínio do direito, mas no âmbito da política ou da história.
  • Tese da eficácia idêntica à dos demais preceitos da Constituição – nesta concepção não há qualquer diferença entre o preâmbulo e as demais normas constitucionais. Preâmbulo seria um conjunto de preceitos, com força normativa idêntica à dos demais preceitos.
  • Tese da relevância jurídica específica ou indireta – o preâmbulo é parte integrante da Constituição, mas não se confunde com os demais preceitos. Não é norma jurídica, não tem força cogente nem caráter vinculante (portanto, não pode servir como parâmetro para o controle de constitucionalidade), mas pertence ao mundo do Direito, tem uma natureza jurídica.

A função do preâmbulo seria uma diretriz hermenêutica. Ajuda a visualizar o espírito da Constituição (lembrar do método científico-espiritual ou valorativo), pois consagra valores supremos da sociedade.


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