segunda-feira, 17 de março de 2008

Lei penal no tempo

1. Vigência e validade

A vigência diz respeito ao plano formal; a validade, ao plano material.

Do ponto de vista formal, a vigência ocorre na data da publicação ou no dia seguinte após a vacância. E a lei vigorará até ser revogada por outra.

Aplicação da lei penal durante a vacatio legis: não possui vigência e, portanto, não pode ser aplicada. No entanto, tratando-se de lei mais benéfica, existe dúvida na doutrina. A melhor resposta, segundo Luis Flávio Gomes, é não aplicá-la, pois pode ser revogada ou alterada antes de entrar em vigor. Na prática, o melhor é o juiz suspender o processo, para aguardar a entrada em vigor da nova lei.

Do ponto de vista material, é importante distinguir entre vigência e validade. Para a doutrina clássica, a lei é válida quando compatível com a Constituição; sendo incompatível, é inválida. Para Luis Flávio Gomes, essa lição está agora incompleta, pois diante da nova jurisprudência do STF, a lei vigente deve estar também compatível com o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Trata-se, agora, da necessidade de haver dupla compatibilidade.

2. Conflito de leis penais no tempo

É preciso distinguir entre:
  • leis penais
  • leis processuais
  • leis penais processuais
  • Leis mistas
2.1. Leis penais

Como já vimos, lei penal é aquela que disciplina algum aspecto do jus libertatis. Quando uma lei penal sucede outra, aplicam-se os seguintes princípios que, sendo consagrados, merecerão aqui apenas uma referência:
  • princípio da irretroatividade da lei maléfica
  • princípio da ultratividade da lei benéfica
  • princípio da retroatividade da lei benéfica
  • princípio da não-ultratividade da lei maléfica
Obs.: retroatividade e ultratividade são espécies do gênero "extra-atividade".

2.2. Leis processuais

A aplicação da nova lei processual é imediata, a teor do art. 2º do CPP:
Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

2.3. Leis processuais materiais

Como já vimos, são as leis que, embora processuais, afetam diretamente o jus libertatis (por exemplo, leis processuais que tratam da liberdade provisória). Para essas leis, aplicam-se os princípios penais, como se fossem leis penais.

2.4. Leis mistas

São as que possuem uma parte penal e uma parte processual. Ex.: art. 366 do CPP:
Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. (prescrição é direito material)
No que toca a esse tipo de lei, para saber que princípios são aplicáveis, a questão prévia é saber qual parte prepondera. Entende-se que prepondera sempre a parte penal e, assim, aplicam-se sempre os princípios penais.

3. Alteração de jurisprudência

Nova jurisprudência benéfica retroage? Se for definitiva, sim. Por exemplo, cancelamento de súmula contra o réu, como se deu com o cancelamento da Súm. 174 do STJ, quando do REsp 213.054-SP:
Súmula 174
No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena.

REsp 214.054 (D.J. 11/11/2002)
O aumento especial de pena no crime de roubo em razão do emprego de arma de brinquedo (consagrado na Súmula 174-STJ) viola vários princípios basilares do Direito Penal, tais como o da legalidade (art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal e art. 1º, do Código Penal), do ne bis in idem, e da proporcionalidade da pena.

Ademais, a Súm. 174 perdeu o sentido com o advento da Lei 9.437, de 20.02.1997, que em seu art. 10, § 1º, inciso II, criminalizou a utilização de arma de brinquedo para o fim de cometer crimes.

Obs.: o art. 10 da Lei nº 9.437/97 apenava com detenção de um a dois anos e multa a conduta utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes. Essa lei foi ab-rogada expressamente pela Lei nº 10.826/03, que proibiu a fabricação, venda, comercialização ou importação de armas de brinquedo, mas silenciando sobre a utilização desse tipo de arma para cometer crimes. Sendo assim, a conduta está novamente descriminalizada, mas a Súmula 174 continua cancelada pelos demais motivos apresentados no Recurso Especial.

4. Critério do caso concreto

Às vezes, a lei nova é dúbia, não estando claro se é ou não mais favorável, diante do fato concreto. Neste caso, ouve-se o interessado.





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5. Combinação de leis

Absolutamente possível. Ex.

6. Conflito de leis em crime permanente, continuado e habitual

6.1. Conflito de leis em crime permanente

É crime cuja consumação se prolonga no tempo. Sempre se aplica a última lei, não interessando se benéfica ou se maléfica. Isso porque, sendo permanente o crime, na data da vigência da lei nova o crime continuou sendo cometido.

6.2. Conflito de leis em crime continuado

O juiz aplica a pena da lei penal nova, com o aumento de pena previsto no art. 71 do CP (aumento de um sexto a dois terços no crime continuado). É o que decorre da Súmula 711 do STF, segundo a qual "a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência".

Caso o agente tenha praticado algumas condutas como menor e outras como maior, responde em instâncias distintas: com base no Estatuto da Criança e do Adolescente e com base no CP, sendo que a prioridade para cumprimento da sanção será a do direito penal. Depois do cumprimento da pena, cumprirá também a medida sócio-educativa do ECA, desde que tenha menos de 21 anos (pois o art. 121, § 4º do ECA estabelece que a liberação será compulsória aos 21 anos de idade).

6.3. Conflito de leis em crime habitual

Sempre incide a última lei.

7. Abolitio criminis

Chama-se abolitio criminis a lei que descriminaliza uma conduta. Não só retroage para beneficiar o réu, como também apaga todos os efeitos penais. Ou seja, o crime anterior não existe mais para reincidência, antecedentes, etc.). O único efeito que subsiste é o civil.

A lei de abolitio desfaz, inclusive, a coisa julgada.

Nem sempre a lei nova que revoga a antiga é abolitio. Quando a lei nova revoga a antiga, mas mantém o tipo penal em outro lugar, o crime continua. Trata-se do princípio da continuidade normativo-típica.

8. Lei excepcional ou temporária

A previsão da lei excepcional ou temporária está no art. 3º do CP:
Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.
É, assim, a lei que conta com período de duração limitado (temporária) ou que verse sobre situações inusuais (excepcional).

Não se aplica o princípio da retroatividade quando tais leis são maléficas, mesmo depois de sua vigência (ou seja, estando vigente a mei mais benéfica), porque o tipo penal da lei benéfica não é o mesmo tipo penal previsto na lei excepcional. Afinal, a circunstãncia temporária ou excepcional faz parte do tipo.

Se, porém, houver uma sucessão de leis penais excepcionais, a mais benéfica retroage, pois ambas estarão tratando do mesmo tipo penal.

9. Lei penal em branco e modificação do complemento normativo

Se a modificação significar rompimento da continuidade normativa, dá-se abolitio. Ex. ANVISA retira a maconha da lista de substâncias entorpecentes, fica eliminado o delito de porte ilegal de maconha. Sendo abolitio, retroage.

Se a modificação do complemento não elimina o caráter ilícito do fato, a alteração não beneficia o réu. Ex.: crime de venda de produto em preço superior ao tabelado, mesmo que depois a tabela seja majorada para valor superior à venda outrora realizada, não retroage.

10. Tempo do crime

Há três teorias a respeito do tempo do crime:
  • da atividade (adotado pelo CP, art. 4º)
  • do resultado
  • mista ou da ubiqüidade
Fuso horário e horário de verão: o que importa é a hora oficial no local dos fatos.


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