terça-feira, 11 de março de 2008

Conflito aparente de normas penais

1. Conceituação

Ocorre quando duas ou mais leis vigentes são aparentemente aplicáveis à mesma infração. São requisitos para sua ocorrência:
  • fato único (seja simples ou complexo)
  • duas ou mais leis vigentes
É diferente do concurso de crimes, pois neste temos vários crimes. Também é diferente do conflito de leis penais no tempo, pois tal conflito implica numa sucessão de leis, em que uma tenha revogado a outra (ou seja, com somente uma lei vigente).

2. Fundamento

Ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo crime (com exceção do caso da extraterritorialidade, que será visto em breve).

3. Princípios

3.1. Princípio da especialidade

Lei especial afasta a aplicação da lei geral. Uma lei é especial quando contém todos os requisitos da geral e, ainda, alguns requisitos específicos. Exemplo: art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro (homicídio culposo na direção de veículo automotor) é especial ao homicídio culposo do art. 121, CP. Veja:

Código Penal
Art 121. Matar alguem:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Código de Trânsito Brasileiro
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Pressupõe duas leis vigentes; se uma lei posterior revogou uma anterior, não se trata desse princípio. P. ex.: a Lei nº 11.464/07 dispôs sobre a liberdade provisória em crimes hediondos, incluindo expressamente o tráfico de drogas. Revogou a lei anterior (Lei nº 11.343/06), que a proibia neste crime. Não incide o princípio da especialidade, porque não há duas leis vigentes.
Lei nº 11.343/06
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei [todos tratam do tráfico ilícito de entorpecentes] são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Lei nº 11.464/07 (deu nova redação ao art. 2º da Lei nº 8072/90)
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
(...)
§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.

§ 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

Apesar disso, Felix Fischer (STJ, HC 81.241) e Ellen Gracie (STF, HC 91.556) decidiram pela especialidade, afirmando que se aplica a lei de 2006 e, portanto não caberia a liberdade provisória. Luis Flávio Gomes e Rogério Cunha Sanches consideram tal posicionamento totalmente equivocado.

3.2. Princípio da subsidiariedade

A palavra subsidium era utilizada, pelos romanos, para indicar a tropa que ficava aquém da linha de combate, pronta a intervir se a tropa combatente necessitasse. A subsidiariedade indica que uma norma será aplicada quando uma outra norma não for sufuciente para regular o caso.

Há duas modalidades de subsidiariedade:
  • expressa: o tipo penal só incide se o fato não for mais grave. Ex.: art. 132, CP, que diz:

Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:

Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

  • tácita: ocorre quando um fato menos grave está contido na descrição típica de um fato mais grave. Ex.: furto é subsidiário frente ao roubo.


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3.3. Princípio da consunção (ou absorção)

É o mais importante, o que mais se aplica na prática. São muitas as regras que se pode inferir desse princípio, por exemplo:

- o crime maior absorve o menor;
- o crime fim absorve o crime meio (Sm 17, STJ);
- o crime consumado absorve o tentado;
- a co-autoria absorve a participação.

Esse princípio também se aplica aos crimes progressivos, à progressão criminosa e aos crimes complexos.

O crime progressivo ocorre quando, para alcançar a ofensa maior, o agente passa necessariamente por uma ofensa menor. Ex.: homicídio, que para ser alcançado necessita passar pela lesão corporal.

Também se aplica o princípio da consunção no antefactum impunível. Este ocorre quando um fato precedente menos grave se coloca na linha de desdobramento da ofensa principal (mais grave). Pela consunção, o agente só responde pelo crime mais grave, que abserve o anterior. Por exemplo: a falsidade ideológica praticada para o crime de bigamia; porte ilegal de arma para o homicídio; os toques corporais que precedem o estupro. A diferença do antefactum para o crime progressivo está em que, neste último, o fato precedente é necessário, obrigatório, inerente ao fato principal. Já no antefactum, o fato precedente não é necessário. Seguindo os mesmos exemplos anteriores: a falsidade ideológica não é necessária para a bigamia; o porte ilegal de arma não é necessário para o homicídio; os toques corporais prévios não são necessários ao estupro, uma vez que pode este ser realizado sem aqueles - com uma arma apontada na cabeça, p. ex. (atenção: coito anal seguido de coito vaginal não é antefactum impunível, pois não está na linha de desdobramento do estupro e, portanto, ocorre o concurso material de crimes).

Igualmente, o princípio da consunção se aplica ao postfacto impunível, que ocorre quando o mesmo agente incrementa a lesão ao meso bem jurídico já afetado anteriormente, sendo a primeira conduta mais grave que a segunda. Exemplo: furto seguido de danos. O crime mais grave absorve o menos grave, e o agente responde somente por ele. Não se deve confundir o postfactum com o exaurimento do crime. Neste, o fato posterior está descrito no tipo (ex.: recebimento da vantagem, na extorsão), enquanto que nos postfactum está em outro tipo.

O princípio da consunção também se aplica à progressão criminosa. Na progressão, o sujeito quer uma ofensa menor e consuma; só depois delibera uma ofensa maior. Ex.: quer ferir e fere, quer bater e bate. Logo em seguida, delibera matar e mata. O crime mais grave absorve o menos grave. Não se deve confundir a progressão criminosa com o crime progressivo, porque neste o agente, desde o início, já quer o maior e realiza o menor tão somente como etapa necessária para alcançar seu objetivo. Na progressão, existe uma substituição do dolo, fato que inexiste no crime progressivo. Leitura complementar.

O crime complexo é a fusão de dois ou mais tipos penais. Ex.: o roubo é um crime complexo, pois é a fusão dos crimes de furto e de violência. Para o STF, também o estupro é crime complexo.-

3.4. Princípio da alternatividade

Aplicável aos crimes de conteúdo múltiplo, ou seja, crimes que possuem vários verbos, como, p. ex., o art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Pelo princípio da alternatividade, várias condutas praticadas no mesmo contexto fático constituem um crime único, porque os verbos são alternativos. Por exemplo, quem produz e em seguida vende drogas, pratica um único crime.


2 comentários:

Joel Assuero disse...

legaal, mto boom me ajudou bastante na facuul. Obrigaado

Anônimo disse...

Gostei muito do conteúdo, me ajudou bastante, Obrigada.