terça-feira, 9 de outubro de 2007

Investigação preliminar: inquérito policial

1. Sistemas processuais

a) inquisitório (inquisitivo): as funções de acusar, defender e julgar se concentravam na pessoa do juiz, chamado "inquisidor"(2); procedimento sigiloso; impulso oficial; inexistência de contraditório; desigualdade processual entre autor e réu; suficiência da confissão para a condenação(1, p. 40).

b) acusatório: as funções de acusar, defender e julgar são distribuídas entre sujeitos processuais diferentes; igualdade processual entre autor e réu; processo é público; obediência a garantias constitucionais(3). Os princípios mais importantes do sistema acusatório são: estado de inocência, contraditório, verdade real, oralidade, publicidade, obrigatoriedade, oficialidade, indisponibilidade do processo, juiz natural e iniciativa das partes(1)

c) misto: possui uma etapa inquisitiva (de investigação preliminar e instrução preparatória, presidida pelo juiz) e uma etapa processual em que as funções são divididas(2)

A persecução criminal no Brasil se divide em duas etapas. A primeira etapa é pré-processual, presidida em regra pela Polícia, tendo como finalidade investigar. A segunda etapa é processual, presidida pelo juiz, com a finalidade de impor a pena. Alguns autores - como Guilherme de Souza Nucci - afirmam que o Brasil teria adotado o sistema misto. Por outro lado, Rogério Sanches entende que o país adotou o sistema acusatório, já que a primeira etapa não é processual (o inquérito é pré-processual) e não é presidida pelo juiz (e sim pela autoridade policial)(2).

2. Inquérito policial

É uma das formas de investigação preliminar.

Praticado o crime, surge para o Estado o direito de punir (ius puniendi), que depende do devido processo legal. E o devido processo legal pressupõe um mínimo de provas (prova da materialidade e indícios de autoria). O inquérito policial é o instrumento utilizado, em regra, para reunir esse mínimo de provas(2).

Assim, pode-se conceituar o inquérito policial como o "procedimento administrativo, preparatório e inquisito, presidido pela autoridade policial, que tem por objetivo reunir elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e sua autoria, propiciando a propositura da denúncia ou queixa"(2).

Persecução penal (persecutio criminis) é a soma entre a investigação preliminar e a ação penal promovida pelo MP ou pela vítima. Não confundir, portanto, os conceitos de persecução penal e inquérito policial.

2.1. Competência

2.1. a) A autoridade policial

Utilizo aqui a expressão "competência" no seu sentido mais simples, como sinônimo de "atribuição". A investigação preliminar é cometida, em regra, à Polícia. Veja-se o art. 144 da Constituição:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

(...)

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

(...)

§4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.


"A Polícia, instrumento da Administração, é uma instituição de direito público, destinada a manter e a recobrar, junto à sociedade e na medida dos recursos de que dispõe, a paz pública ou a segurança individual"(1).

Desempenha a função administrativa (ou se segurança), de caráter preventivo; e a função judiciária, de caráter repressivo, em que após a prática de uma infração recolhe provas da materialidade e indícios da autoria para que possa ser instaurada a ação penal.

A autoridade competente para o IP é a polícia judiciária, conforme o art. 4º, CPP:

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

A polícia judiciária pode ser a Polícia Civil (quando envolver interesses de particular, de Município ou de Estado) ou a Polícia Federal (quando envolver interesses de particular ou da União). Lembra Rogério Sanches(2) que há casos em que não há interesse da União, mas a investigação fica a cargo da Polícia Federal:

Art. 1º Na forma do inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais:

I – seqüestro, cárcere privado e extorsão mediante seqüestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima;

II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e

III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e

IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.

Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça (Lei nº 10.446/02)
.

Ainda segundo o mesmo autor, essa lei ampliou a atribuição da Polícia Federal, mas não a competência da Justiça Federal. Tais inquéritos subsidiam os processos na Justiça Estadual.

Como todo poder deve ser controlado, cabe a pergunta: quem controla a polícia? Para se responder a essa pergunta, é necessário lembrar que a polícia é órgão do Poder Executivo (ligada ao Ministério da Justiça -Polícia Federal- ou às Secretarias de Justiça estaduais -Polícia Civil e Polícia Militar dos Estados). O tema, então, se enquadra no conhecido tópico de direito administrativo "controle da Administração Pública".

O controle pode ser interno ou externo. O controle interno é o realizado pela própria Administração, de caráter hierárquico e disciplinar. O controle externo é atribuído pela CF/88 ao MP (art. 129, VII c.c. art. 128, §5º). Para Mirabete, trata-se de norma constitucional de eficácia limitada, estando à espera de lei que a regulamente(1).

Se a presidência do inquérito policial cabe ao Delegado, essa regra cede em casos expressamente previstos na Lei, tais como(3):

a) a prerrogativa dos membros do MP de serem investigados não pela autoridade policial, mas pelo Procurador-Geral de Justiça:

Quando no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por parte de membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar remeterá, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração (art. 41, parágrafo único, Lei nº 8.625/93).

b) instauração de inquérito quando houver infração penal cometida dentro do STF:

Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.

§ 1° Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente.

§ 2° O Ministro incumbido do inquérito designará escrivão dentre os servidores do Tribunal (Regimento Interno - download)

c) inquérito por crime cometido no interior da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal:

O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito (Súmula 397, STF).

d) prerrogativa para o membro da Magistratura de ser investigado pelo Tribunal a que está vinculado:

Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação (art. 33, parágrafo único, LC nº 35/79).

2.1. b) Competência ratione loci e ratione materiae

A competência se distribui, em regra, ratione loci, ou seja, levando-se em consideração a circunscrição onde se consumou a infração (art. 4º, CPP). Se numa mesma circunscrição houver vários delegados, qualquer deles é competente para tomar conhecimento e instaurar o inquérito.

A autoridade policial não pode praticar atos fora de sua circunscrição. Se o fizer, porém, o ato não é invalidado, ainda que se trate de prisão em flagrante. São aduzidos os seguintes argumentos para tanto(5):
  • não existe o princípio do "delegado natural": não exercendo a polícia atividade jurisdicional, não se submete ela ao art.5º, inciso LIII da Constituição Federal -princípio do juiz natural-, já que delegados não presidem processo, nem sentenciam. Não há para o suspeito um direito de ser investigado pela autoridade competente.
  • um ato não é nulo, na medida em que este não resulte em prejuízo para a acusação ou para a defesa (CPP, art. 563, princípio do prejuízo).
  • um ato não é nulo, na medida em que não "influencie na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa" (CPP, art. 566).
  • se o ato for praticado de outra forma, mas tiver atingido o fim pretendido pela norma, a irregularidade estará sanada (CPP, art. 572, II; Lei nº9.099/95, art.65, caput e § 1º).

O texto completo se encontra no blog Aprovando.

Para saber como se cadastrar, leia aqui.


2.2. Natureza jurídica



2.3. Características


2.4. Instauração do inquérito policial

2.5. Atos investigatórios do inquérito policial (arts. 6º e 7º, CPP)


2.6. Indiciamento


2.7. Valor probatório do inquérito policial

2.8. Prazos(2)

3. Conclusão do inquérito policial

4. A requisição de novas diligências

5. O suscitamento de conflito de competência ou de atribuição

6. Pedido de arquivamento do inquérito policial

6.1. Arquivamento e coisa julgada

6.2. Procedimentos distintos na Justiça Estadual e na Justiça Federal
6.3. Arquivamento do Inquérito Policial nos casos de foro privilegiado
6.4. O arquivamento indireto e o arquivamento implícito

7. Investigação preliminar: inquéritos extrapoliciais

Fontes utilizadas:

1. Julio Fabbrini Mirabete,
Processo Penal. São Paulo: Atlas Jurídico, 2000, 10a ed.
2. Rogério Sanches. Aula pronunciada no curso LGF (IELF) em 07 de agosto de 2007, 15 de agosto de 2007 e 30 de janeiro de 2008.
3. Fernando da Costa Tourinho Filho,
Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2004, 26a ed.
4. Vicente Greco Filho, Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1997.
5. Bernardo Montalvão Varjão de Azevedo. Algumas considerações acerca do inquérito policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Acesso em: 09 out. 2007.


Nota: os números entre parêntesis se referem à obra, conforme a bibliografia acima
.

2 comentários:

isa disse...

Danilo, o seu material está muito bom.

Mas como estudante de Direito, sugiro que você prepare um material apresentando o procedimento Ordinário e as eventuais diferenças com relação aos procedimentos Sumário, Sumaríssimo e Tribunal do Júri.

Quando o fizer vai ficar excelente!!!!

Um abraço, até mais.

Danilo disse...

Oi, Eliel. Obrigado pela visita e pela sugestão. A idéia é essa mesma: os materiais aqui estão sempre sendo aprimorados, enriquecidos.

É como se fosse (e de fato é) o material de um concurseiro: sempre que se tem conhecimento de uma nova informação, o texto é enriquecido.

Certamente, os temas a que você aludiu são extremamente oportunos para o estudo.