terça-feira, 6 de maio de 2008

Lei penal no espaço (direito penal internacional)

Direito penal internacional é conceito diferente de direito internacional penal. O primeiro é direito interno, regulado pelo CP. O segundo é o direito internacional, regido por tratados internacionais (o mais importante deles, no âmbito penal, é o Tratado de Roma).

1. Princípio da territorialidade

Insculpido no art. 5º do CP:

Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

Todo crime ocorrido no território brasileiro é regido pela lei brasileira. Como se vê da redação do art. 5º, trata-se de um princípio relativo, pois são admitidas exceções. Exs.: casos de imunidade diplomática; crimes de competência do Tribunal Penal Internacional (que tem jurisdição subsidiária). Nesses casos, o crime ocorre no Brasil, mas não se aplica a lei brasileira. Esse fenômeno é chamado de intraterritorialidade.

1.1. Conceito de território nacional

O conceito de território nacional abrange:

  1. solo
  2. águas internas
  3. mar territorial (12 milhas marítimas, equivalente a cerca de 20km)
  4. espaço aéreo ou coluna atmosférica, que termina onde cessa a gravidade (espaço cósmico).

Zona contígua: espaço de 12 milhas marítimas além do mar territorial, o que se considera alto-mar.

1.2. Ampliação do conceito de território nacional (art. 5º, §1º e §2º)

Essa ampliação ocorre em quatro situações:

  • embarcações ou aviões públicos brasileiros. Ainda que seja alugado, estará em missão oficial e, portanto, incluído nesse conceito. Não importa onde estiver, os crimes serão considerados cometidos no Brasil.
  • embarcações ou aviões privados brasileiros. Só serão considerados território brasileiro se estiverem em alto-mar (princípio do pavilhão ou princípio da bandeira). Exceção: se um país, local dos fatos, não se interessar pelos fatos, nesse caso o Brasil pode representar o outro país e punir o crime (princípio da representação) cometido em embarcação ou avião de bandeira brasileira.
  • embarcações ou aviões privados estrangeiros: os crimes são punidos se a nave estiver em território nacional.
  • embarcações ou aviões públicos estrangeiros: jamais incide a lei brasileira.
  • embaixadas estrangeiras no Brasil: para fins penais, o território é nacional, incidindo a lei penal brasileira, salvo se o autor do crime goza de imunidade diplomática. Para fins processuais, dependerá de rogatória.

2. Lugar do crime

Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

Adota-se o princípio ou teoria da ubiqüidade (ou teoria mista). Se o crime “tocar” o Brasil, o lugar do crime é o Brasil para fins penais, ou seja, tanto no que se refere à conduta quanto ao resultado do crime. Ex.: avião que decola da Colômbia, atravessa o espaço aéreo brasileiro e segue para Miami (crime de trânsito). Como “tocou” o espaço aéreo brasileiro, incide a lei brasileira.

Quando o crime envolve dois países, é chamado de crime à distância ou criem de espaço máximo. Quando envolve mais de dois países (exemplo do avião que decolou da Colômbia), é chamado crime de trânsito.

Não confundir como “crime plurilocal”, que envolve duas comarcas.

3. Extraterritorialidade da lei penal brasileira

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

I - os crimes:

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;

b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;

c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;

d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;

II - os crimes:

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

b) praticados por brasileiro;

c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.

§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:

a) entrar o agente no território nacional;

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:

a) não foi pedida ou foi negada a extradição;

b) houve requisição do Ministro da Justiça.

São situações de crimes ocorridos fora do Brasil, aos quais se aplica a lei brasileira. Há 3 espécies de extraterritorialidade:

  • incondicionada (art. 7º, I)
  • condicionada (art. 7º, II)
  • hipercondicionada (art. 7º, §3º).

Na incondicionada, a lei penal brasileira incide independentemente de qualquer limitação. Nessa situação, ocorre o princípio da defesa, ou real ou de proteção (alíneas “a”, “b” e “c”) e o princípio da justiça universal (alínea “d”).

Na condicionada, temos o art. 7º, II. Nesse tipo de extraterritorialidade, temos o princípio da justiça universal (alínea “a”), princípio da personalidade ativa (“b”) e princípio da representação (“c”).

As condições que devem ser preenchidas para que o crime seja punido no Brasil estão previstas no §2º. São sede condições, já que as alíneas “d” e “e” possuem duas condições cada. São as chamadas condições objetivas de punibilidade.

Na extraterritorialidade hipercondicionada (§3º), estão presentes nove condições (as sete do parágrafo anterior e mais duas).

4. Pena cumprida no estrangeiro (duplicidade de condenação)

Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

Em regra, ninguém pode ser condenado duas vezes pelo mesmo crime. A exceção está na extraterritorialidade, quando ocorrem duas condenações válidas. Esse artigo implica em dois princípios:

  • ne bis in idem
  • da compensação

Segundo o princípio ne bis in idem, ninguém pode ser processado, condenado ou executado duas vezes pelo mesmo crime. A extraterritorialidade, como visto, é exceção a esse princípio. Para suavizar essa exceção, o art. 8º adota o princípio da compensação, ou seja, a pena aplicada no exterior é compensada quando aplicada nova pena no Brasil.

O artigo trata de duas espécies de compensação. A compensação direta (penas homogêneas: prisão lá e prisão cá) e a indireta (penas heterogêneas: multa lá e prisão cá). Nesses casos, a compensação é feita pelo juiz sem parâmetros legais, devendo ele decidir com base na eqüidade, no senso de justiça.

5. Eficácia de sentença penal estrangeira

Art. 9º - A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas conseqüências, pode ser homologada no Brasil para:

I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;

II - sujeitá-lo a medida de segurança.

Parágrafo único - A homologação depende:

a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada;

b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.

Após a EC 45, a homologação é feita pelo STJ.

Acordos bilaterais para execução de penas em outros países: têm sido firmados pelo Brasil desde a década de 90, e asseguram a troca de presos com a premissa do consentimento do condenado.

Extradição: é a entrega de uma pessoa a outro país, a pedido deste. Envolve a presença de dois países soberanos. Nesse se distingue da entrega, prevista no Tratado de Roma, pois nela a entrega do criminoso é feita a um órgão internacional (TPI). A extradição de brasileiro é proibida; a entrega é permitida.

A extradição de brasileiro naturalizado é também proibida, salvo se praticado:

  • Crimes políticos
  • Crimes de opinião (quando há abuso da liberdade de expressão).

Estrangeiro com filho ou cônjuge brasileiro: aplica-se a Súmula 421 do STF. Essas circunstâncias não impedem a extradição, não se aplicando mais a Súmula 01.

Re-extradição: ocorre quando um terceiro país pede a extradição de uma pessoa que já foi extraditada.

Extradição se distingue da deportação, que é a retirada de um estrangeiro que tenha ingressado ilegalmente ou cuja permanência se tornou ilegal. Distingue-se também da expulsão, quando estrangeiro atenta contra a ordem pública ou social do Brasil. Em regra, todo estrangeiro condenado no Brasil é expulso depois de cumprir a pena.

Princípio da comutação: o Brasil pode autorizar extradição condicionada à não aplicação de prisão perpétua ou de morte. Descumprida essa condição, pode haver o rompimento do acordo bilateral e, eventualmente, denúncia junto a organismos internacionais.

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