quarta-feira, 2 de abril de 2008

Ação penal de iniciativa privada

1. Peça inaugural: é a queixa (ou queixa-crime)

2. Partes: querelante (autor) e querelado (réu).

3. Requisitos da queixa

Estão previstos no art. 41, CPP:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

São os mesmos da denúncia, acrescentando-se a seguinte observação: deve vir assinada pela vítima ou seu representante (não só pelo advogado) ou constar da procuração dada ao advogado o resumo do fato criminoso. Faltando, a queixa não é recebida.

4. Princípios

Incondicionada

Condicionada

Privada

Oficialidade

Oficialidade

X

Obrigatoriedade

Obrigatoriedade ao MP e discricionariedade à vítima

Discricionariedade (ou oportunidade)

Indisponibilidade

Indisponibilidade

Disponibilidade

Intranscendência

Intranscendência

Intranscendência

Indivisibilidade

Indivisibilidade

Indivisibilidade

Lembrando-se que há doutrina que entende haver divisibilidade na ação penal pública


5. Espécies

5.1. Ação penal exclusivamente privada

A legitimidade é da vítima ou representante. Se o legitimado original morrer, transfere-se ao C-CADI previsto no art. 24, §1º e art. 31. Lembra do que é o C-CADI?

Quando a vítima é pessoa jurídica (crime de difamação, p. ex.), a queixa é oferecida pro seu representante, assim considerado em seu ato constitutivo.

O prazo é de 6 meses (art. 38, CPP), devendo-se lembrar da exceção prevista no art. 41 da Lei de Imprensa. O termo inicial do prazo é o dia em que vier a saber quem é o autor do fato. Por ser decadencial, o prazo é contado da seguinte maneira:

  • + dies a quo, - dies ad quem

  • não se interrompe, não se suspende, não se prorroga

Nesse tipo de ação, o MP atua como fiscal da lei. Nesta qualidade, pode aditar a queixa no aspecto formal (ex.: incluri na queixa o dia do crime, o local, a hora), mas não pode fazer aditamento substancial (ex.: incluir autor, incluir fato), pois estaria violando o princípio da oportunidade, típico da ação penal privada.

Para Mirabete: excepcionalmente, o MP pode aditar para incluir autor se no momento da queixa esse aspecto não era conhecido.

5.2. Ação penal de iniciativa privada personalíssima (somente art. 236, CP)

É idêntica à vista no item 5.1., salvo que no caso de morte, o direito não se transmite a sucessores.

5.3. Ação penal privada subsidiária da pública

É uma garantia constitucional contra a inércia estatal (art. 5º da CF).

A peça inaugural é a queixa subsidiária. As partes são chamadas de querelante subsidiário e querelado.

Cabe quando patente a inércia do MP (mas não cabe quando o MP entende não haver justa causa).

5.3.1. Legitimidade

O legitimado é a vítima ou seu representante. Mas existem casos especiais:

a) no Código de Defesa do Consumidor

Os arts. 80 e 82, III e IV dispõe:

Art. 80. No processo penal atinente aos crimes previstos neste código, bem como a outros crimes e contravenções que envolvam relações de consumo, poderão intervir, como assistentes do Ministério Público, os legitimados indicados no art. 82, inciso III e IV, aos quais também é facultado propor ação penal subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

Assim, podem propor ação penal privada subsidiária o PROCON, o IDEC, ou entidades privadas de defesa do consumidor.

b) na Lei nº 11.101/05 (Lei de Falência)

Art. 184. Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.

Parágrafo único. Decorrido o prazo a que se refere o art. 187, § 1o, sem que o representante do Ministério Público ofereça denúncia, qualquer credor habilitado ou o administrador judicial poderá oferecer ação penal privada subsidiária da pública, observado o prazo decadencial de 6 (seis) meses.

5.3.2. Prazo

A ação penal subsidiária é de exercício facultativo, tendo prazo (art. 38, CPP). O prazo é de 6 meses (regra), com termo inicial do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia sem que o MP tenha tomado nenhuma atitude. Note que se o MP solicitar o arquivamento, terá tomado atitude, e isso afastará a possibilidade da queixa subsidiária.

É importante saber que durante o prazo de 6 meses (regra), o MP não deixa de ser legitimado a propor a ação. Trata-se de hipótese de co-legitimação.

Portanto:

  • dentro do prazo para o oferecimento da denúncia: MP é o único legitimado

  • depois do prazo para oferecimento da denúncia, com inércia do MP: MP e querelante são co-legitimados

  • depois do prazo de 6 meses (regra do art. 38): MP segue como único legitimado

5.3.3. Poderes do MP

a) repudiar a queixa, oferecendo imediatamente a denúncia: é a chamada denúncia substitutiva (art. 29)

b) aditar a queixa, tanto formal quanto materialmente, podendo incluir fato e autor

c) se o querelante subsidiário, durante o processo, for negligente, o MP retoma a titularidade da ação. É o fenômeno chamado de ação penal indireta

d) pleitear a rejeição da queixa quando faltar justa causa

6. Formas de disponibilidade (oportunidade)

O querelante pode dispor de seu direito mediante:

  • decadência

  • renúncia

  • perdão do ofendido

  • perempção

Já estudamos a decadência. Vamos ver agora as outras três figuras mencionadas.

a) Renúncia

decorrência do princípio da oportunidade da ação penal de iniciativa privada, é ato unilateral da vítima ou seu representante legal, abdicando do seu direito de promover a queixa-crime.

Acarreta a extinção da punibilidade, mas não a extingue no caso da queixa subsidiária.

A renúncia é sempre extra-processual, porque através dela o querelante deixa de formalizar o processo. Pode ser expressa ou tácita. A renúncia expressa está prevista no art. 50, CPP. A renúncia tácita ocorre quando a vítima se comporta de maneira incompatível com a vontade de ver processado o agressor.

O recebimento de indenização civil (mesmo extrajudicial) não implica em renúncia, em regra (art. 104, parágrafo único, CP):

Parágrafo único - Importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercê-lo; não a implica, todavia, o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime.

Mas existe uma exceção a essa regra, na Lei nº 9.099/95, art. 74, parágrafo único:

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

Retratação da renúncia: não é possível, pois já estará operada a extinção da punibilidade (art. 104, CP).

Renúncia em co-autoria: se a vítima renuncia com relação a um autor, estará tacitamente renunciando aos demais, em virtude do princípio da indivisibilidade, também chamado de critério da extensibilidade da denúncia. É a previsão expressa do art. 49, segundo o qual a renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá.

Renúncia em pluralidade de vítima: os direitos das vítimas são autônomos e, por isso, a renúncia de uma das vítimas não prejudica o direito das demais.

Vítima menor de 18 anos: só o representante legal renuncia. Se maior de 18 anos, só ela o pode fazer.

b) perdão do ofendido

Está previsto nos arts. 105 e 106 do Código Penal:

Art. 105 - O perdão do ofendido, nos crimes em que somente se procede mediante queixa, obsta ao prosseguimento da ação.

Art. 106 - O perdão, no processo ou fora dele, expresso ou tácito:

I - se concedido a qualquer dos querelados, a todos aproveita;

II - se concedido por um dos ofendidos, não prejudica o direito dos outros;

III - se o querelado o recusa, não produz efeito.

§ 1º - Perdão tácito é o que resulta da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação.

§ 2º - Não é admissível o perdão depois que passa em julgado a sentença condenatória.

Decorrente do princípio da disponibilidade da ação privada, o perdão é o ato pelo qual a vítima ou seu representante desiste de prosseguir com o andamento de processo já em curso, desculpando seu ofensor.

É exclusivo da ação penal de iniciativa privada e subsidiária (neste último caso, não extingue a punibilidade, pois ainda é possível a ação penal indireta – quando o MP retoma a ação).

O perdão, diferentemente da renúncia, pressupõe ação penal em curso e é um ato bilateral (art. 107, V, CP).

Tem por efeitos:

a) obstar ao prosseguimento da ação (art. 105, CP)

b) extinguir a punibilidade, se aceito (salvo, quando subsidiária, como vista acima).

Magalhães Noronha: o perdão e a aceitação são sempre incondicionados (não é possível estabelecer condições para o perdão ou para sua aceitação). A condição será tida como não escrita.

Momento oportuno para o perdão: o termo inicial é o início da ação; o termo final é o trânsito em julgado da sentença. Ver art. 106, §2º: não é admissível o perdão depois que passa em julgado a sentença condenatória.

Aspectos formais

Perdão

Aceitação

Extraprocessual (p. ex., em cartório) ou processual (no bojo dos autos)

Extraprocessual ou processual

Expresso (declaração assinada neste sentido) ou tácito (comportamento incompatível)

Expressa ou tácita (ex.: o silêncio diante do oferecimento do perdão). Ver art. 58, CPP

Legitimidade para perdoar: a vítima (+18) ou representante (-18). Não existe mais dupla titularidade (entre 18 e 21), tendo em vista o CC/02.

Legitimidade: ofensor (+18 capaz) ou representante (+18 incapaz).

A renúncia ao perdão é sempre expressa. No silêncio, entende-se que aceitou.

É possível o perdão parcial (p. ex., o ofendido perdoa o agente quanto ao fato A, mas não quanto ao fato B).

Distinções

Renúncia

Perdão

Decorrente do princ. da oportunidade

Decorrente do princ. da disponibilidade

Ato unilateral

Ato bilateral

Cabível, em regra, na ação penal privada, mas admite-se exceção (Lei nº 9.099/95: ação penal pública dependente de representação em crime de menor potencial ofensivo)

Cabível apenas na ação privada, sem exceção.

Obsta ao início da ação penal

Pressupõe ação penal em curso

É sempre estraprocessual

Pode ser processual ou extraprocessual

Ambas acarretam a extinção da punibilidade

c) perempção

Decorre do princípio da disponibilidade. É sanção processual imposta ao querelante inerte ou negligente na condução da ação penal. Tem por efeito a extinção da punibilidade. Na subsidiária, porém, não ocorre essa extinção, pois o MP retoma a titularidade (ação penal indireta).

As hipóteses estão previstas no art. 60 do CPP:

Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal:

I - quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos;

Prevalece que a sanção é automática, dispensando chamamento.

Não se admite soma de prazos parciais. O prazo de 30 dias previsto neste inciso é contínuo.

II - quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36;

O art. 36 trata de ação personalíssima.

III - quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais;

Atenção, pois esse inciso cai com freqüência em concurso. O artigo se aplica, por exemplo, quando o querelante não comparece para sua oitiva.

No rito especial dos crimes contra a honra, existe uma audiência de conciliação (art. 520, CPP). Se o querelante não comparecer à audiência de conciliação, surgem duas correntes:

  • para uns, ocorre a perempção
  • para outros, não se deve falar em perempção, pois esta é uma sanção processual e ainda não existe processo (só depois da audiência de conciliação é que o juiz recebe a queixa). Seu não comparecimento é não aceitação da conciliação. Este é o entendimento do STF.

Se o querelante pedir a absolvição, o juiz não pode condenar (como poderia se fosse caso de ação pública – art. 385, CPP). Para Rogério Sanches, ocorre neste caso a perempção, mas tenho dúvida a respeito disso: perempção é sanção, pedir absolvição é causa de sanção? Ou seria perdão?

IV - quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.

No caso de crimes conexos, pode haver perempção em um deles e prosseguimento do outro.

Quando o querelante não apresenta contra-razões ao recurso do querelado, entende-se que ocorre a perempção.

Quando o querelante apresenta recurso dentro do prazo, mas as razões fora do prazo, não ocorre a perempção. A apresentação intempestiva de razões é mera irregularidade.

Tampouco ocorre perempção quando o querelante, intimado na fase do art. 499, não se manifesta.

Art. 499. Terminada a inquirição das testemunhas, as partes - primeiramente o Ministério Público ou o querelante, dentro de 24 horas, e depois, sem interrupção, dentro de igual prazo, o réu ou réus - poderão requerer as diligências, cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos apurados na instrução, subindo logo os autos conclusos, para o juiz tomar conhecimento do que tiver sido requerido pelas partes.

No caso de litisconsórcio ativo, a perempção operada contra um querelante não afeta o outro.

2 comentários:

Marcio Gerente disse...

Excelente resumo de CCP - APPrivada...mas, o art.499 postado está revogado pela Lei 11.719/08...ou estou errado ?

Falcao disse...

Parabens pela excelente resumo.