sábado, 8 de março de 2008

Princípio da legalidade no direito penal

1. Dimensões

O princípio da legalidade possui quatro dimensões:

  • legalidade criminal: não há crime sem lei
  • legalidade penal: não há pena sem lei
  • legalidade jurisdicional ou processual: não há processo sem lei (matéria de processo penal)
  • legalidade execucional: não há execução sem lei

1.1. Legalidade criminal e penal

Esse princípio foi demarcado pelo Iluminismo. Dois nome iluministas que não se pode esquecer quanto à matéria: Beccaria e Feuerbach.

2. Constitucionalização do princípio (art. 5º, XXXOX)

Sendo alçado ao nível constitucional, tornou-se direito individual inviolável, cláusula pétrea.

3. Garantias decorrentes da legalidade

3.1. Garantias aplicáveis concomitantemente ao crime, à pena e à medida de segurança

A doutrina clássica aponta as seguintes garantias:

1. Lex scripta: para garantia, deve ser escrita e regularmente publicada.
2. Lex certa: trata-se do princípio da taxatividade (ou da certeza). Proíbe leis vagas.
3. Lex stricta: deve ser interpretada restritivamente. Não cabe analogia contra o réu em direito penal. Ver STF, Inq. 1145, que decidiu ser fato atípico o uso de cola eletrônica em concurso público.
4. Lex previa: princípio da anterioriedade.

Modernamente, os autores somam a essas garantias clássicas as seguintes garantias:

5. Lex populi: a lei deve ser aprovada pelo Parlamento. Veja o caso da Lei nº 9639/98, art. 11, parágrafo único: tal dispositivo não foi aprovado pelo Paralmento (HC 77724)
6. Lex clara: a lei deve ser compreensível ao destinatário, ou seja, ao homem médio.
7. Lex determinata: a lei deve descrever fatos passíveis de comprovação.
8. Lex rationabilis: a lei deve ser razoável.

3.2. Garantia aplicável somente ao crime:

9. Nulla lex sine iniuria: não há lei sem ofensa. A lei penal deve descrever o verbo ofensivo.

4. A lei penal

Neste item, vamos esclarecer alguns conceitos fundamentais.

4.1. Conceito de lei penal

É aquela que disciplina algum aspecto do ius puniendi

4.2. Características

Possui como características a imperatividade e a generalidade. A lei penal é fonte formal de uma norma penal (ou seja, é a maneira como uma norma penal é exteriorizada). Não devemos confundir "norma" e "lei". Norma é o comando que, em se tratando de crime, proíbe uma determinada conduta. A lei é o veículo utilizado pelo legislador para comunicar esse comando.

4.3. Leis incriminadoras e leis não incriminadoras

São exemplos de leis não incriminadoras: leis que disponham sobre justificantes (legítima defesa, estado de necessidade). Justificantes são causas que excluem a antijuridicidade. Outro exemplo de lei não incriminadora é a lei permissiva, que é aquela que autoriza uma conduta (ex., aborto em caso de estupro).

Qual a diferença entre uma causa justificante e uma causa permissiva? A causa justificante exige do juiz uma valoração dos bens jurídicos em conflito (p. ex., no caso do aborto necessário, em que o juiz deve ponderar o direito à vida do nascituro e o risco de vida da gestante). Já a causa permissiva é autorização dada pelo legislador, em que o juiz não precisa ponderar nada, apenas verificar se os requisitos estão presentes (ex.: aborto em caso de estupro).

Também não devemos confundir a lei não incriminadora com a lei exculpante. Essas últimas apenas excluem a culpabilidade (ex.: art. 26, que trata de doença mental).

4.4. Lei penal e norma penal

A lei penal é descritiva, ou seja, descreve os dados de um delito ou pena. A norma é um comando imperativo que decorre da lei. Assim, a lei é fonte da norma, embora não esclusiva (outras fontes são a Constituição, os princípios, os costumes).

Norma penal
  • primária (ou de conduta): cuida do que é proibido e é dirigida a todos. Possui um preceito primário e um preceito secundário
  • secundária (ou de sanção): cuida do castigo e é dirigida exclusivamente ao juiz. Possui um preceito primário e um preceito secundário.

Exemplifiquemos essa distinção, aplicando-a ao art. 121 do CP (homicídio):

  • Norma primária
    • preceito primário: é proibido matar
    • preceito secundário: a pena será de 6 a 20 anos de prisão
  • Norma secundária
    • preceito primário: aplique a pena a quem violar a norma primária
    • preceito secundário: sob pena de sanções administrativas e prevaricação.
A norma primária possui dois aspectos sumamente relevantes:
  • aspecto valorativo: a norma existe para proteger um valor
  • aspecto imperativo: a norma impõe uma determinada pauda de conduta.



Esse texto está sendo útil para você?
Ajude o blog a ser cada vez melhor: clique aqui para fazer uma doação.




4.5. Lei penal e tipo penal

Tipo penal é a descrição abstrata de um crime. É uma construção dogmática. O conceito de tipo penal foi criado por Beling, em 1906. O tipo é a lei enfocada do ponto de vista dogmático.

Tipo penal é diferente de tipo legal. O tipo legal é o conjunto dos dados descritivos do crime continos na lei. O tipo penal éo conjunto de todas as exigências para que o fato seja típico (é constituído de: tipo legal, dolo, resultado jurídico e imputação objetiva do resultado).

4.6. Lei penal completa e incompleta

A lei penal completa não exige nenhum complemento, nem valorativo, nem normativo. Para a doutrina clássica, o art. 121 é um exemplo de lei penal completa.

A lei penal incompleta é a que exige um complemento, seja valorativo ou normativo. A mais conecida lei incompleta do ponto de vista normativo é a lei penal em branco.

Há três espécies de lei penal em branco:
  • própria: é a lei que tem um complemento heterogêneo (ou heterólogo), ou seja, seu complemento advém de uma vonta distinta do legislador. É o caso de uma portaria do Poder Executivo. Para que seja constitucional, é necessário que o legislador descreva o tipo principal com todos os verbos, e só deixe o complemento para a Administração Pública. Do contrário, se o legislador delegar à Administração a descrição verbal do delito, será tida por inconstitucional.
  • imprópria: possui um complemento homogêneo (ou homólogo), ou seja, um complemento que advém de uma lei. O complemento homogêneo pode ser homovitelíno ou heterovitelíno:
    • homovitelíno: é o complemento dado pelo legislador no mesmo corpo normativo do tipo principal. Ex.: crimes funcionais no CP, cujo complemento está no art. 327 do mesmo CP
    • heterovitelino: é o complemento normativo dado pelo legislador, presente em outro corpo normativo, distinto daquele em que está o tipo principal. Ex.: art. 178 do CP, que fala em warrant (título de crédito definido na legislação comercial). Ou ainda o art. 184, pois os direitos autorais estão definidos em lei própria.
  • invertida (ou ao revés): é a lei penal que exige um complemento relacionado com a pena. Ex.: a Lei nº 2839/56, que pune o crime de genocídio, mas quanto à pena remete a outro dispositivo.

Observações:

1. No caso da lei penal em branco própria ou imprópria: não havendo complemento, não há delito. Ex.: Lei nº 7482/86, art. 7º.

2. A lei incompleta pode também exigir não um complemento verbal, mas um complemento valorativo. Quando isso acontece, diz-se que se trata de um tipo aberto. Ex.: art. 233 do CP, quando menciona o ato "obsceno". Essa expressão exige um complemento valorativo pelo juiz.

O tipo aberto não é uma expécie de lei penal em branco, e sim de lei penal incompleta. Veja a relação entre elas:

  • Lei penal incompleta (gênero)
    • lei penal em branco
      • própria
      • imprópria
      • ao revés
    • tipo aberto

Nenhum comentário: