segunda-feira, 24 de março de 2008

Competência da Justiça Federal

estudamos aqui o tema da competência no Processo Civil. Vamos complementar esse estudo, tratando mais atentamente da competência da Justiça Federal.

A competência da Justiça Federal está regulada nos arts. 108 e 109 da Constituição:Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
I - processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;
b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região;

Todo Tribunal é competente para julgar ação rescisória de seus julgados. Essa regra não tem exceção (e se aplica, como vemos, ao TRF).

O Tribunal Federal também é competente para julgar rescisória de sentenças de juízes federais. Ainda que o autor da rescisória seja a União, se for objeto uma sentença de juiz estadual, a competência é do TJ, e não do TRF.
c) os mandados de segurança e os "habeas-data" contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal;

Também aqui encontramos a regra de que um MS contra ato de Tribunal é sempre por este mesmo julgado. Não há exceção.
d) os "habeas-corpus", quando a autoridade coatora for juiz federal;
e) os conflitos de competência entre juízes federais vinculados ao Tribunal;
Conforme disposto pela Súmula 3 do STJ, também é competente para julgar o conflito entre juiz federal e juiz estadual investido de jurisdição federal.

II - julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juizes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Quanto às exceções previstas na parte final deste inciso I, considere o seguinte:

É competência em razão da pessoa. Está-se referindo a empresa pública federal, excluídas as sociedades de economia mista federais (exemplo: Banco do Brasil e Petrobrás têm foro na Justiça Estadual).

A expressão "entidade autárquica" é genérica. Também incluem as autarquias federais, as agências reguladoras federais, as fundações federais de direito público, os conselhos federais de fiscalização profissional. Lembre-se que a Súmula 66 do STJ indica que Compete à Justiça Federal processar e julgar execução fiscal promovida por Conselho de fiscalização profissional.

Quando entidade federal prevista neste inciso intervém em processo em curso na Justiça Estadual, o juiz estadual deve declinar a competência, sem nem mesmo julgar o pedido de intervenção (Súmula 150, STJ: Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas). O juiz federal, entendendo não ser o caso de tal intervenção, não deve suscitar conflito e sim declinar sua competência, restituindo os autos à Justiça Estadual (Súmula 224, STJ: Excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da competência, deve o Juiz Federal restituir os autos e não suscitar conflito). O juiz estadual não pode discutir essa decisão (Súmula 254, STJ: A decisão do Juízo Federal que exclui da relação processual ente federal não pode ser reexaminada no Juízo Estadual).

  • falências: incluir recuperação empresarial e insolvência civil.
  • causas relativas a acidente do trabalho: com o acidente, surgem duas pretensões para o empregado: indenizatória (contra o empregador - Justiça do Trabalho) e previdenciária (contra o INSS - Justiça Estadual). Neste último caso, não se trata de juiz estadual investido de jurisdição federal, porque a competência é prória da Justiça Estadual já que o inciso I excepcionou esta matéria da regra geral de competência federal.
  • acidentes de outra natureza também geral duas pretensões: contra o causador do dano e contra o INSS. E aqui estaremos diante de competência da Justiça Federal, porque não se trata de ações originadas de acidente de trabalho. É preciso distinguir entre ação acidentária e ação acidentária do trabalho.
  • ação de revisão de benefício previdenciário acidentário trabalhista: a concessão, como visto, é da Justiça Estadual, e o mesmo se dá com a revisão. Atenção com isso, porque outrora o STJ entendeu que era de competência da Justiça Federal, mas depois alterou esse entendimento, estando pacificada a matéria hoje.
Por fim, a mera presença do Ministério Público Federal em juízo não faz com que a causa seja de competência da Justiça Federal. O MPF pode demandar, p. ex., uma ação civil pública na Justiça Estadual.

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II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;
Competência em razão da pessoa. Não há ente federal envolvido, mas mesmo assim é competente a Justiça Federal.

Como conciliar esse inciso II com o princípio da imunidade da jurisdição, segundo o qual nenhum Estado se submete à jurisdição de outro? Assim: se se tratar de ato de soberania do Estado, não se aplica essa norma. A norma será aplicada, ao contrário, quando o Estado puder ser processado (p. ex., ação de despejo; ação de responsabilidade civil). Nestes casos, o recurso vai para o STJ e não para o TRF. É o chamado recurso ordinário constitucional.
III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional;
É competência em razão da matéria. Pouco importam as partes, podem ser duas pessoas físicas brasileiras, desde que o fundamento seja um tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional.


Mas a competência será da Justiça Federal somente se o Tratado ou Contrato for a única norma a regular a situação jurídica discutida. Se esta tiver como base uma lei, já não será de competência federal. Ex.: ação de alimentos internacionais (p. ex., chileno que vem ao Brasil requerer pensão alimentícia em face de seu pai brasileiro).
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiçaa Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
V-A - as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;

Competência em razão da matéria, que serve tanto para o âmbito civil quanto para o penal. Essa competência do juiz federal pode ser deslocada para o STJ se julgado procedente o incidente de deslocamento de competência previsto no §5º deste artigo. Mas o STJ já entendeu que esse deslocamento só é possível se ficar comprovado que as autoridades estaduais não tenham condições de promover a ação. Veja mais nos comentários do §5º.
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;


VII - os "habeas-corpus", em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;
VIII - os mandados de segurança e os "habeas-data" contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
Autoridade federal: pertence aos quadros funcionais federais. Mas também pode ser autoridade privada exercente de atribuição federal e, nesses casos, embora privadas, serão julgadas pela Justiça Federal. Ex.: autoridades de instituição de ensino superior privadas. Ver Súmulas 15 e 60 do extinto Tribunal Federal de Recursos. É outro caso de competência em razão da pessoa.

IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;
X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
A parte final do inciso trata de procedimentos de jurisdição voluntária (nacionalidade e naturalização). Devemos ter atenção com esse aspecto em questões de concurso público.
XI - a disputa sobre direitos indígenas.
Competência em razão da matéria, aqui pouco importando a natureza cível ou penal da disputa. Direitos indígenas é equivalente a direitos dos índios, enquanto coletividade (ex.: demarcação de terra). Se a questão for individual de um índio, não será de competência a Justiça Federal.

§1º - As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte.
§2º- As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
§3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.
Trata-se de juiz estadual investido de jurisdição federal. A regra não abrange somente os benefícios previdenciários, mas também os benefícios assistenciais. Nestes casos, não é necessária a existência de lei que permita o exercício da jurisdição federal pelo juiz estadual, uma vez que se trata, aqui, de norma constitucional de eficácia plena. A permissão legal prevista no final do parágrafo diz respeito a outras causas. Exemplos:
  • execução fiscal federal
  • usucapião especial rural, se um ente federal figurar como parte (ver Súmula 11, STJ - "A presença da União ou de qualquer de seus entes, na ação de usucapião especial, não afasta a competência do foro da situação do imóvel".)
  • cartas precatórias federais podem ser cumpridas por juízes estaduais, se na comarca não houver Justiça Federal
A regra do art. 109, §3º não se aplica ao Mandado de Segurança contra ato de autoridade previdenciária (Súmula nº 216: Compete à Justiça Federal processar e julgar mandado de segurança impetrado contra ato de autoridade previdenciária, ainda que localizada em comarca do interior). Logo, em caso de MS, o cidadão do interior deve se deslocar para a sede onde haja Vara Federal.
§4º - Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.
§5º - Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
Sobre esse deslocamento, veja:
Assassinato de freira é de competência da Justiça estadual
MPF continuará acompanhando o caso de Dorothy Stang

Atenção para algumas questões problemáticas:
  • A Súmula 183 do STJ foi cancelada em 1997. Assim, se a União estiver envolvida em Ação Civil Pública, o processo correrá perante a Justiça Federal.
  • Aplicável a Súmula 689 do STF: O segurado pode ajuizar ação contra a instituição previdenciária perante o juízo federal do seu domicílio ou nas varas federais da Capital do Estado-Membro. Assim, o beneficiário que vive em comarca do interior que possua vara federal pode optar em propor em seu domicílio ou na Capital. Se sua cidade não possuir vara federal, pode propor perante o juiz estadual ou pode optar por ingressar na Vara Federal de sua Capital.

2 comentários:

Dayse Sene disse...

Muito bom esse resumo...todas as informações, muito me foram válidas. Obrigada... Excelente iniciativa.

Inácio Henrique disse...

Estou pesquisando sobre a competência da Justiça Federal relativa a parte criminal, consistente no seguinte aspecto: no caso de concurso de crimes sendo um de competência da Justiça Federal e outro da Justiça Estadual, excluído o crime “federal” quer seja pela ocorrência da prescrição, da extinção da punibilidade, pela absolvição, em fim, por qualquer motivo, desde que persista o não julgamento do outro crime, cabe declino para Justiça Estadual, ou deve na decisão o Juiz Federal decidir sobre o outro crime também, resolvendo toda questão? Vejam que a questão inicial é o afastamento do crime que atrairia a competência federal.