segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Direitos da personalidade

Compartilho com vocês um material que elaborei sobre direitos da personalidade para meus alunos, já enriquecida pela aula proferida pelo Prof. Cristiano de Farias, no IELF, em 5 de setembro de 2007.

Direitos da Personalidade


1. Fundamentos constitucionais

1.a. A dignidade da pessoa humana como valor primordial

O tema dos direitos da personalidade deve ser lido à luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Trata-se de um dos fundamentos da República (art. 1º, III, CR), reconhecendo o homem como “o fundamento, o fim e o sujeito de todas as instituições em que se expressa e realiza a vida social” (JOÃO XXIII, Papa, n. 216). Assim, tal princípio “impõe a elevação do ser humano ao centro de todo o sistema jurídico, no sentido de que as normas são feitas para a pessoa e sua realização existencial, devendo garantir-lhe um mínimo de direitos fundamentais que sejam vocacionados para lhe proporcionar vida com dignidade” (FARIAS, p. 96). Para Ingo Wolfgang Sarlet, a dignidade da pessoa humana é a “qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo o qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” (apud FARIAS, pp. 98-99).

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana (que funciona como cláusula geral de protenção da personalidade, segundo Cristiano de Farias, aula) engloba o conjunto de valores e direitos correspondentes à integridade física, psíquica e espiritual de cada pessoa. Tais valores e direitos, por afetarem diretamente a personalidade, são considerados como direitos da personalidade (cf. VENOSA, p. 149). Daí porque o estudo destes direitos deve ser realizado à luz do princípio maior da dignidade da pessoa humana, uma vez que ele – tal como os diversos direitos fundamentais – “representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e no mercado” (SARMENTO, p. 110) .

A expressão “dignidade da pessoa humana” requer maiores esclarecimentos por parte da doutrina, sob pena de ser instrumentalizada em diversos sentidos. Com efeito, o próprio fato de grupos de interesses opostos argumentarem, em favor de suas teses, a mesma dignidade humana já é indicativo de como o conceito, se não for bem compreendido, pode ficar vazio, capaz de aceitar qualquer conteúdo que lhe quiserem pôr. Um exemplo disso é a discussão, por vezes bastante passional, entre os movimentos pró-vida (pro life) e os movimentos abortistas (pro choice): ambos afirmam estar ao lado da dignidade humana.

Os conceitos de pessoa e dignidade estão mutuamente relacionados, mas não se identificam. Pessoa se refere ao ser, enquanto que a dignidade se refere antes de tudo a uma qualidade do ser, a um valor ao qual se pode contrapor um antivalor. Portanto, definir o conceito de “dignidade da pessoa humana” significa, antes de tudo, compreender o substantivo “pessoa humana”. Somente uma adequada abordagem antropológica é que possibilita uma compreensão satisfatória deste conceito jurídico fundamental.

Desta maneira, o conceito da dignidade humana depende da resposta àquela pergunta que perpassa toda a história da humanidade: quem é o homem, quem sou eu?
Considerando que somos uma unidade bio-psico-espiritual, os direitos da personalidade também podem ser classificados em direitos quanto à integridade física, psicológica e espiritual.

1.b. Outros fundamentos constitucionais

Ao longo da Constituição, o princípio da dignidade da pessoa humana fundamenta uma série de direitos relativos à personalidade, tais como:

• art. 5º, IV – liberdade de manifestação do pensamento;
• art. 5º, V – garante o direito à indenização moral e à imagem;
• art. 5º, IX – liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação;
• art. 5º, X – inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas;
• art. 5º, XLI – vedação à discriminação.

2. Conceito

Os direitos da personalidade podem ser definidos como “direitos privados destinados a assegurar ao indivíduo o gozo do próprio ser, físico e espiritual” (FERRARA, apud ROLDÃO, p. 13). Em outras palavras, são os direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana em suas dimensões física, psicológica e espiritual (cf. FARIAS, p. 106).

Tais são, por exemplo, o direito à vida, à privacidade, à honra, à liberdade, etc.
Esses direitos “relacionam-se com o Direito Natural, constituindo o mínimo necessário do conteúdo da própria personalidade” (VENOSA, p. 150) .

Para a correta compreensão do conceito de direitos da personalidade, é importante distinguí-los das liberdades públicas ou dos direitos públicos subjetivos. Estudamos os direitos da personalidade sob a ótica do direito privado, das relações entre as pessoas privadas com base na autonomia da vontade. Liberdades públicas ou direitos subjetivos públicos são conceitos que envolvem a posição da pessoa no seio político da sociedade, perante o Estado. Portanto, ao tratarmos dos direitos da personalidade, não podemos perder de vista que tratamos de um direito subjetivo privado (cf. FARIAS, p. 113).

3. Características

A doutrina costuma elencar algumas características essenciais dos direitos da personalidade , afirmando que são:

a) inatos: porque são adquiridos tão logo a pessoa humana exista , independentemente de qualquer manifestação de vontade (privada ou pública, aqui incluída a Lei). Registre-se, porém, que alguns autores, como Caio Mário indicam que podem ser também adquiridos, como é o caso do nome civil (PEREIRA, p. 242);

b) vitalícios: permanecem na pessoa durante toda a sua vida. Morta a pessoa, não se há de falar em direitos subjetivos seus, uma vez que a personalidade jurídica da pessoa natural termina com a morte (art. 6º, CC). No entanto, familiares da pessoa morta também têm direitos de personalidade indiretos, e por isso podem também requerer medidas de proteção (art. 12, parágrafo único, CC);

c) inalienáveis: art. 11, CC. Como pertencem à pessoa humana enquanto tal, não podem sofrer alienação, seja por parte de terceiros (são inexpropriáveis, impenhoráveis, etc.), seja por parte do próprio detentor (são irrenunciáveis, intransmissíveis, indisponíveis), seja por fato jurídico em sentido estrito (são, assim, imprescritíveis, não havendo prazo para seu efetivo exercício ). A doutrina costuma sustentar que os direitos da personalidade são relativamente indisponíveis, querendo com isso afirmar que, excepcionalmente, o exercício (e não a titularidade) de certos direitos da personalidade pode ser cedido, a título oneroso ou gratuito. Citam o exemplo do direito à imagem. No entanto, não parece ser um caso de verdadeira disposição, uma vez que não se transmite a titularidade, não pode ser realizado em caráter definitivo, não pode ser ilimitado no tempo . O que se pode transmitir são os efeitos patrimoniais que decorrem dos direitos da personalidade (PEREIRA, p. 242);

d) absolutos: podem ser impostos erga omnes, exigindo da coletividade um comportamento negativo (obrigação de não fazer) ou mesmo positivo . Isso não significa que sejam absolutos no sentido de não poderem sofrer restrições, pois neste sentido talvez direito algum possa ser tido como absoluto, salvo o direito à vida do ser humano inocente;

e) extrapatrimoniais: os direitos da personalidade não podem ser aferidos objetivamente por um critério econômico. “É certo e incontroverso que a honra, a privacidade e demais bens jurídicos personalíssimos de uma pessoa não comportam avaliação pecuniária. Não são susceptíveis de aferição monetária. Entretanto, uma vez violados tais bens jurídicos, independentemente de causar prejuízo material, surge a necessidade de reparação do dano moral caracterizado, como forma de diminuir o prejuízo da vítima e sancionar o lesante, inclusive com o caráter educativo (preventivo) de impedir novos atentados” (FARIAS, p. 112).

3. Classificação

O Código Civil trata desses direitos nos arts. 11 a 21. No entanto, isso não quer dizer que só existam esses direitos da personalidade. Todo direito subjetivo pessoal que tenha as mesmas características devem ser considerados como direitos da personalidade (VENOSA, p. 150), que tendem a assegurar a integral proteção da pessoa humana, em sua unidade bio-psico-espiritual. É por isso que nenhuma classificação pode exaurir o rol dos direitos da personalidade (FARIAS, p. 114).

Sugere-se a seguinte classificação: direitos da personalidade relativos à integridade física, direitos da personalidade relativos à integridade psíquica e direitos da personalidade relativos à integridade espiritual.

3.1. Direitos da personalidade relativos à integridade física

“O direito à integridade física concerne à proteção jurídica do corpo humano, isto é, à sua incolumidade corporal, incluída a tutela do corpo vivo e do corpo morto, além dos tecidos, órgãos e partes suscetíveis de separação e individualização” (FARIAS, p. 117).
São muitos os desdobramentos deste direito. Destacaremos alguns deles, sem ter a pretensão de exaurir a matéria .

3.1.1. A questão dos transplantes

A CR, no art. 199, §4º, determina que lei ordinária deve dispor sobre os transplantes de órgãos, vedando todo tipo de comercialização. A matéria é tratada pela Lei nº 9.434/97, e esta é regulamentada pelo Decreto nº 2.268/97.

Na redação original do art. 4º da Lei, “salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica post mortem”. O mesmo art. 4º, ainda na redação original, trazia vários parágrafos dispondo sobre a possibilidade de a pessoa recusar-se a doar, com anotação na Carteira Nacional de Habilitação. Estava criada, assim, a estranha figura da “doação presumida”.

A repercussão negativa foi grande: o Estado não tem direito de legislar sobre o corpo das pessoas, porque o homem é ontologicamente anterior ao Estado . Diante da controvérsia instaurada, veio a ser publicada a Medida Provisória nº 1.718/98, acrescentando o seguinte §6º: “Na ausência de manifestação de vontade do potencial doador, o pai, a mãe, o filho ou o cônjuge poderá manifestar-se contrariamente à doação, o que será obrigatoriamente acatado pelas equipes de transplante e remoção”. Assim, mantinha-se a “doação presumida”, mas possibilitando a recusa da família. Se a família não se manifestasse, poderia ser realizado o transplante.

O problema foi solucionado com a edição da Lei nº 10.211/01, alterando totalmente o art. 4º, revogando seus parágrafos, e dispondo em seu caput: “A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte”. Acabou-se com a figura da “doação presumida”, fazendo a doação depender de autorização da família. Se a família não se manifestar, não pode ser realizado o transplante.

O Código Civil disciplina a matéria nos arts. 13 (doação em vida) e 14 (doação post mortem). A nova disposição do art. 14 nos faz crer que a autorização prevista no art. 4º da Lei nº 9.434/97, com sua nova redação, só será necessária na ausência de manifestação de vontade expressa por parte do de cujos. Tendo havido a manifestação de vontade em sentido positivo, esta deverá prevalecer, mesmo quando a família recusar.

3.1.2. O transexualismo

O art. 13 do CC parece proibir a cirurgia de redesignação de estado sexual, mais conhecida como cirurgia de “mudança de sexo”. No entanto, jurisprudência e doutrina predominantes entendem pela possibilidade.

O Conselho Federal de Medicina, através da Resolução nº 1.652/02, autoriza a realização da cirurgia de transgenitalização, fixando critérios para tanto. A discussão na jurisprudência, atualmente, é quanto à possibilidade da alteração do registro civil das pessoas operadas.

3.1.3. A procriação medicamente assistida (reprodução assistida)

Trata-se de assunto, como os demais, que envolve enorme carga ética. Sabemos que a procriação assistida é, há muito tempo, criticada pela Igreja Católica. O argumento principal é o de que o filho é um inestimável dom de Deus, e não um objeto passível de manipulação; é um presente, não um direito; a reprodução assistida instaura um processo de coisificação do filho, contrária à sua dignidade humana.

A procriação medicamente assistida é fartamente utilizada em nossos dias. Pode ser homóloga ou heteróloga. Na primeira, utiliza-se material genético do próprio marido ou companheiro; na segunda, utiliza-se sêmen ou óvulo de terceiros.

“Exige-se a autorização expressa do marido ou companheiro, de modo a viabilizar a procriação assistida na forma heteróloga. Esta autorização – que tem de ser expressa e escrita – possui natureza de verdadeira adoção prévia, sendo suficiente para gerar presunção de paternidade, como reza o art. 1.597 [inc. IV] do Código Civil” (FREITAS, p. 131).

Quanto à procriação heteróloga, a Resolução nº 1.358/92, do CFM, dispõe que “obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador”.

Isso cria dificuldades com relação à utilização deste tipo de reprodução por mulheres solteiras, e também com relação ao direito do filho de saber sobre seu pai biológico (cf. FARIAS, p.132).
“Vale destacar, pela alta relevância prática, que a eventual concepção utilizando material genético, conservado criogenicamente, após a morte do titular, não gera direito sucessório. Ou seja, pela incidência do princípio de saisine (CC, art. 1.784), pelo qual a capacidade sucessória é reconhecida apenas a quem tem personalidade no momento da abertura da sucessão (morte do autor da herança), aquele que foi concebido após o óbito não terá direito sucessório, muito embora possa ver reconhecida a paternidade judicialmente” (FARIAS, p. 133).

“Outro problema diz respeito à possibilidade de responsabilização da clínica por deficiências ou patologias congênitas, provenientes do sêmen fornecido. Prima facie, convém afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC, arts. 12 e 18), obstando a ‘coisificação’ da pessoa humana, que não pode ser compreendida como um mero ‘objeto de contrato’. De qualquer maneira, a Resolução nº 1.358/92 do CFM estabelece a responsabilidade das clínicas pelo controle de doenças infecto-contagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição e transferência de material biológico humano. E, além disso, é possível cogitar da incidência do art. 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à responsabilidade civil do profissional liberal, em face da atuação culposa do médico, eventualmente faltando com o necessário zelo profissional. Importante registrar que não se trata de vício em produto, mas de defeito na obrigação médica de prestação de serviços” (FARIAS, p. 133).

3.1.4. O débito conjugal

Quando um homem e uma mulher se unem, instaura-se entre eles uma “comunhão integral de vida”, na qual compartilham não só aquilo que têm, mas principalmente tudo aquilo que são. Isso requer diversas disposições interiores, como o respeito, a fidelidade e o empenho de se doar ao outro em prol do desenvolvimento de sua pessoa.

As relações sexuais são parte integrante da relação conjugal, através das quais os dois expressam e aprofundam e comunhão, além de estarem abertas à possibilidade de gerar novas vidas. Fazem parte, assim, do compromisso de empenho assumido por ambos e, nesta perspectiva, assumem a feição de um dever específico entre eles. Este é o sentido da expressão “débito conjugal”.

O conceito de débito conjugal sofre resistência por alguns: “Conquanto parcela da doutrina propugne pelo reconhecimento de um direito da personalidade sobre o corpo do cônjuge, a partir da reciprocidade da prestação do dever sexual no casamento, esta não é a posição que deve prevalecer. É que a manifestação sexual (inclusive entre cônjuges e companheiros) é pura expressão de afeto, é materialização de sentimento, não sendo crível, nem admissível, que pudesse ser tratada pela ótica jurídica como uma obrigação imposta a uma pessoa humana” (FARIAS, p. 138).

Este não parece ser o melhor entendimento (que, por sinal, é minoritário ). Isso porque a pessoa humana é uma unidade bio-psico-espiritual. O afeto (elemento psíquico) não pode se expressar a não ser corporalmente (elemento biológico). Ele se manifesta sempre através do olhar, da voz, do tato, ou seja, sempre de maneira corpórea. É fácil perceber que o corpo manifesta a pessoa integralmente. Portanto, embora intelectualmente se possa distinguir entre afeto e corpo, a realidade da vida rejeita essa dicotomia um tanto simplória. O ser humano não é desencarnado, não é um ser puramente espiritual, e suas emoções e afetos são, sempre, corpóreos. Possuem, portanto, um grau de materialidade evidente. E a fidelidade assumida por ambos como um dever (mas não somente como um dever) implica também na constância do afeto e da boa vontade para com o outro.

É certo, por outro lado, que o débito conjugal não pode ser exigido mediante violência ou ameaça injusta, o que configuraria atentado degradante à liberdade humana, além de ir contra o próprio sentido do débito conjugal.

Enfim, pode ser discutível se o débito conjugal integra ou não os direitos da personalidade. Isso não significa, porém, que não exista, ou que não possua justificativa racional.

3.2. Direitos da personalidade relativos à integridade psíquica

“O direito à integridade moral concerne à proteção conferida aos atributos psicológicos relacionados à pessoa, tais como a sua honra, a liberdade, o recato, a imagem, a vida privada e o nome. Tutela, pois, a higidez psíquica, sempre à luz da necessária dignidade humana” (FARIAS, p. 139).

3.2.1. Direito de imagem

3.2.1.a. Aspectos do conceito de imagem

A doutrina discerne três aspectos do conceito de imagem :

a) imagem-retrato: refere-se às características fisionômicas da pessoa;

b) imagem-atributo: conjunto de características comportamentais e atributos com os quais se apresenta e é identificada pela sociedade;

c) imagem-voz: caracterizada pelo timbre de voz, que também serve para identificar uma pessoa.

3.2.1.b Direito de arena

A pessoa pode autorizar, a título oneroso ou gratuito, a exibição de sua imagem em espetáculos ou eventos variados. É o que se chama “direito de arena”, muito comum, por exemplo, nas transmissões esportivas. Como lembra FARIAS (p. 142), a autorização da imagem de uma pessoa, por conseqüência do direito de arena, não significa permissão para divulgação daquela imagem por outras formas. É o que reconhece a jurisprudência do STJ .

c) Direito de imagem de pessoa jurídica

Embora nossa ênfase esteja na pessoa física, é bom lembrar que a pessoa jurídica também é titular de direito à imagem. Neste caso, evidentemente, só é possível se falar em imagem-atributo, uma vez que as pessoas jurídicas não têm fisionomia nem voz.

d) Consentimento tácito

O consentimento para terceiro utilizar a imagem de alguém não precisa ser expresso nem escrito. É possível que se autorize o uso da imagem de maneira implícita e, até, informal. Veja-se a jurisprudência trazida por FARIAS (p. 144): “não constitui ofensa do direito à própria imagem a reprodução de fotografia, para fins publicitários, havido com o consentimento do interessado, ainda que tácito, podendo ser assim considerado ante o silêncio deste, corroborado por indícios e circunstâncias que autorizem presumir sua aquiescência” (TA/MG, Ac. 3ª Câm. Cív., ApCív. 146.845/7-01 – Belo Horizonte, rel. Juiz Tenisson Fernandes, j. 4.5.94, in RT 715:248) . Outra decisão, trazida pelo mesmo autor: “Não é verossímil que, participando a Autora de um grupo fotográfico, tirado por profissionais, em companhia de pessoas que declaram haver posado como modelos profissionais, a sua participação fosse para fins restritos, e não comerciais” (TJ/SP, Ap. Cív. 167441, Apelantes: Foto Postal Colombo e outros, Apelado: Nancy da Costa Mamede).
O mesmo autor acrescenta: “É preciso, de qualquer forma, um cuidado especial com o uso da imagem de pessoas que estão em locais públicos, como bailes e desfiles carnavalescos, estádios de futebol, passeatas, praias, manifestações, etc. Se a imagem é utilizada inserida em um conjunto genérico, sem individualização, não há que se falar em dano, pois se refere a um evento público, aberto. Entretanto, sendo focalizada em plano diferenciado a imagem de determinada pessoa que está em evento público, sem a sua autorização, estará, sem qualquer dúvida, caracterizada a violação ao direito de imagem” (FARIAS, p. 145). E traz, como apoio, a seguinte decisão: “Direito à imagem. Violação. Requisitos de admissibilidade. Inocorre violação ao direito de imagem quando inexiste a finalidade comercial, e a foto foi feita em festa popular, na qual a fotografada, na qualidade de participante, se expunha à visão da multidão e dos meios de divulgação” (TJ/MG, ApCív. 75.697/3 – Belo Horizonte, rel. Des. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in IOB-Repertório de jurisprudÊncia 24, 1988).


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3.2.2. Direito à privacidade

A privacidade envolve os aspectos da vida íntima da pessoa, tais como os aspectos amoroso, sexual, familiar, sentimental. A definição dos limites da vida privada é complexa, uma vez que variam conforme as culturas e a mentalidade, e ainda porque com o avanço da tecnologia (por exemplo, Internet), tornam-se cada vez mais fluidos os limites entre a vida pública e a privada.
A privacidade é protegida pela CR: art. 5º, V, X, XI, XII e LX.

Decisão do STJ deixou assentado que “os fatos depressivos da vida estritamente privada do cidadão não devem ser propalados, ainda que verdadeiros, justamente porque, faltando interesse público, não serviriam a outro propósito que o do escândalo e do desdouro” (apud FARIAS, p. 149 ).

As limitações ao direito de construir, impondo espaço mínimo entre as construções ou limitando a abertura de janelas e vãos é outro exemplo de proteção à vida privada (cf. FARIAS, p. 149).

3.2.3. Direito à honra

“Enquanto a imagem diz respeito às características identificadoras de uma pessoa e a privacidade ao interesse de preservar do público a esfera íntima de atitudes, o direito à honra concerne ao prestígio social contra falsas imputações de fatos desabonadores que podem abalar a reputação do titular” (FARIAS, p. 149).

a) honra objetiva e subjetiva

Existem dois diferentes aspectos da honra:

• honra objetiva: a reputação que uma pessoa goza perante terceiros (coletividade)

• honra subjetiva: é a auto-estima, o juízo de valor que uma pessoa faz de si mesma, é o que a pessoa pensa de si mesma.

“Admite-se a violação tanto da honra objetiva, quanto da subjetiva, propiciando, em ambas as hipóteses, reparação por dano moral. Nesse passo, já reconheceu a melhor jurisprudência que é possível concretizar-se um dano à pessoa independentemente da conotação média da moral social, ‘posto que a honra subjetiva tem termômetro próprio, inerente a cada indivíduo. É o decoro, é o sentimento de auto-estima, de avaliação própria que possuem valoração individual, não se podendo negar esta dor de acordo com sentimentos alheios’ “ (FARIAS, pp. 150-151).

b) A exceção da verdade (exceptio veritatis)

“Não caracteriza violação à honra, no entanto, a difusão de fato que diz respeito ao interesse público, como a apuração de fatos criminosos, quando verdadeiros. É a conhecida exceptio veritatis (exceção da verdade), permitindo que se prove a veracidade dos fatos alegados. Por conseguinte, sendo falsos os fatos imputados, caracteriza-se dano ao titular” (FARIAS, 151).

3.3. Direitos da personalidade relativos à integridade espiritual

Quanto ao aspecto espiritual, os direitos da personalidade tutelam os bens relativos à inteligência e à liberdade do ser humano. Não parece correto limitar essa proteção ao intelecto (como faz Farias, p. 142), uma vez que a vontade humana está fora do corpo e da psique e, ao mesmo tempo, não se confunde com o intelecto, embora com ele guarde estreita relação. Quanto à inteligência, estão incluídos os direitos autorais e relativos a patentes; quanto à liberdade, estão incluídas a livre manifestação do pensamento, da opinião, da religião, etc.

3.3.1. Proteção das manifestações da inteligência

“As criações podem ser destinadas à transmissão de conhecimentos (obras estéticas, como livros, DVDs...) ou à aplicação industrial (obras utilitárias, valendo exemplificar as marcas industriais, os logo-tipos, os emblemas e marcas empresariais, etc.). As primeiras (obras estéticas) são criações submetidas à Lei nº 9.610/98, denominada Lei de Direitos Autorais; as segundas (obras utilitárias) são regidas pela Lei nº 9.279/96, denominado Código de Propriedade Industrial. Fixando a compreensão da matéria: enquanto a Lei de Direitos Autorias protege a criação intelectual, o Código de Propriedade Intelectual tutela o invento que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e com aplicação industrial (art. 8º, Lei nº 9.279/96)” (FARIAS, p. 152).

Esse mesmo professor, em aula preferida no curso IELF (Prover), em 05 de setembro de 2007, explica que os direitos autorais possuem dois aspectos distintos: o invento, a criação, são direitos da personalidade (p. ex., direito ao reconhecimento da autoria e do ineditismo); a exploração e o exercício é direito patrimonial e real (propriedade intelectual).

O aspecto de direito da personalidade é intransmissível; o aspecto patrimonial, transmissível, sendo que a transmissão mortis causa se limita a 70 anos a começar de 1º de janeiro do ano subseqüente à morte do autor.

Essa conjugação de aspectos distintos faz com que a propriedade intelectual seja uma categoria distinta de propriedade, não se admitindo ação possessória ou usucapião tendo por objeto esse tipo de propriedade (não há posse, pois o bem é imaterial. Exceção: usucapião de linha telefônica, Sm. 193 do STJ - usucapião de bem imaterial). Sua tutela, assim, não é através de interdito possessório, e sim de tutela específica e ação indenizatória (vide Sm 228, STJ).



3.3.2. Proteção das manifestações da liberdade e suas limitações

Dentro da Teoria do Direito, o tema das liberdades costuma ser tratado pelo Direito Público, porque procura estudar a liberdade do cidadão perante o Estado. Nosso enfoque é, ao contrário, inserido no Direito Privado, e, destarte, nossa perspectiva é a liberdade nas relações privadas.
Neste sentido, pode-se mencionar, apenas a título ilustrativo, algumas liberdades:

• o direito dos pais educarem seus filhos conforme suas convicções morais e religiosas. Isso exige que as escolas não imponham conteúdos morais ou religiosos sem o conhecimento e a anuência dos pais. Tal pode ocorrer, por exemplo, quando é oferecida a “educação sexual” como matéria transversal nos colégios, ocasião em que os pais vêem reduzida sua possibilidade de observar o que os filhos recebem. Evidentemente, a situação é particular quando as escolas são explicitamente de uma determinada linha filosófica ou religiosa (por exemplo, escolas católicas, metodistas, judaicas, etc.). Nestes casos, os pais matriculam seus filhos sabendo a orientação que receberão. Sob outra perspectiva, entra também em linha de consideração o dever das instituições de saúde informarem os pais sobre aspectos relativos aos filhos (como, por exemplo, o dever de um ginecologista informar os pais sobre a situação de sua filha).

• o direito do casal de ter filhos. Isso exige que as empresas não discriminem a mulher, pressionando-a a não ter filhos. Além disso, desse direito podem derivar obrigações de fazer, como a flexibilidade do horário de trabalho para mães e pais de crianças pequenas.

• direito a ser amplamente informado quanto a procedimentos médicos, a fim de dar seu consentimento livre. Isso exige que os hospitais e médicos mantenham o paciente e sua família informados sobre todos os procedimentos a que o mesmo será submetido. Impede, também, a eutanásia, bem como a distanásia. Exige, ademais, que se preste todas as informações quanto ao uso de preservativos contra a AIDS, a percentagem de falhas, os riscos inerentes; a transparência na informação sobre os efeitos abortivos de certos contraceptivos (como a “pílula do dia seguinte”), etc.

4. Nome civil

“O nome atribuído à pessoa é um dos principais direitos incluídos na categoria de direitos personalíssimos ou da personalidade. A importância do nome para a pessoa natural situa-se no mesmo plano de seu estado, de sua capacidade civil e dos demais direitos inerentes à personalidade” (VENOSA, p. 203).

Além dos arts. 16 a 19 do CC, o nome civil também é regulamentado pela Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos - LRP).

4.1. Elementos do nome civil

É um tanto confusa a regulamentação dos elementos do nome civil em nosso ordenamento jurídico. Para simplificar, podemos afirmar que os elementos são dois: o prenome e o sobrenome. Há um terceiro elemento que pode eventualmente compor o nome, chamado agnome.
O prenome também é chamado de “nome individual” ou “nome próprio” (é o caso de “Felipe”, “André” ou “João Paulo”). É escolhido livremente pelos pais, com liberdade limitada (veja-se, por exemplo, que o art. 55 da LRP permite ao Oficial do Cartório do Registro Civil recusar o registro de nomes que exponham ao ridículo os seus portadores ou atentem contra a ordem pública).

O sobrenome é também chamado de “patronímico”, “cognome”, “apelido de família”. É o indicativo da origem da pessoa. Pode ser simples (“Almeida”) ou composto (“Villas Boas”). Uma pessoa pode possuir dois sobrenomes (um de origem paterna outro materna – “Almeida Villas Boas”).

O agnome é atribuído às pessoas para diferenciá-las de parentes que tenham o mesmo nome. É o caso de “Júnior”, “Neto”, “Sobrinho”.

4.2. O princípio da inalterabilidade do nome civil e as hipóteses de alteração

A regra geral é a da inalterabilidade do nome (art. 58, LRP), isso porque o nome é matéria de ordem pública, que identifica o indivíduo na sociedade.

Mas existem hipóteses de alteração, assim sistematizadas por FARIAS (pp. 169-170):

1) quanto ao prenome:

a) quando expuser o titular ao ridículo ou à situação vexatória, bem como se tratando de nome exótico (LRP, art. 55, parágrafo único) ;
b) havendo erro gráfico evidente, caracterizado, e. g., por equívocos de grafia ;
c) para incluir apelido público notório (art. 58 e parágrafo único da LRP). Ou seja, para o acréscimo de alcunha designativa da pessoa, pela qual se tornou conhecida socialmente, dês que não exista proibição em lei. É o conhecido exemplo do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e do boxeador baiano Acelino Popó Freitas, além dos também conhecidos acréscimos nos nomes de Xuxa e Pelé;
d) pela adoção (ECA, art. 47, §5º, e CC, art. 1.627);
e) pelo uso prolongado e constante de nome diverso (é o caso de alguém que ficou conhecida por Márcia, em vez de Mércia, seu nome registral);
f) quando ocorrer homoníma depreciativa, gerando embaraços profissionais ou sociais;
g) pela tradução, nos casos em que o nome foi grafado em língua estrangeira (é o exemplo do estrangeiro que se naturaliza brasileiro, podendo pleitear a retificação do seu nome, através da adaptação ou tradução);
h) por vontade própria e sem necessidade de justificação, no primeiro ano após a maioridade (art. 56, LRP)

2) quanto ao sobrenome:

a) pela adoção (ECA, art. 47, §5º e CC, art. 1.627);
b) pelo casamento, quando é facultado a qualquer dos nubentes acrescer o nome do outro (CC, art. 1.565, §1º), inclusive podendo ambos modificar o nome, acrescentando o sobrenome de seu consorte;
c) pela separação judicial ou pelo divórcio, uma vez que o(s) cônjuges(s) que alterou o seu nome patronímico pelo casamento poderá voltar a utilizar o nome que possuía antes de casar (CC, arts. 1.571, §2º e 1.578);
d) para a inclusão de sobrenome de ascendente (inclusive abarcando a chamada inclusão de sobrenome avoengo na hipótese de acréscimo do patronímico dos avós), desde que não prejudique o patronímico dos demais ascendentes;
e) pela união estável;
f) pela anulação ou declaração de nulidade do casamento.

Fora desses casos, alguém pode ainda modificar o seu nome? “Há de se defender, com efeito, uma compreensão do nome civil como aspecto integrante da personalidade humana, projetando sua dignidade no seio social e familiar. Assim, reclama-se uma interpretação não exaustiva das hipóteses modificativas do nome, permitindo a sua alteração justificadamente para salvaguardar a dignidade da pessoa humana, de acordo com o caso concreto” (FARIAS, pp. 171-172).

Quando da dissolução da relação matrimonial, o cônjuge pode manter o sobrenome adquirido pelo casamento, ainda que o outro não o deseje: “Com relação à dissolução da relação matrimonial, é importante frisar que a regra gral é a manutenção do nome adquirido pelo casamento, somente podendo ser retirado com o consentimento do titular. Ou seja, adquirido o sobrenome pelo casamento ou união estável, ele estará incorporado, inexoravelmente, à personalidade do titular, somente podendo lhe ser retirado com a sua anuência” (FARIAS, p. 173) .

Registre-se, porém, que o art. 1.578 do CC permite ao cônjuge inocente requerer a alteração do nome do cônjuge culpado na ação de separação, para que este volte a utilizar o nome de solteiro.
Quanto aos transexuais que sofreram cirurgia de mudança de sexo, a jurisprudência é favorável à possibilidade da alteração do nome. Já a alteração do “sexo” é questão ainda polêmica, argumentando alguns pela impossibilidade (porque o estado sexual não é alterado geneticamente; porque trata-se de matéria de ordem pública, que visa a proteger interesses de terceiros; porque não há previsão legal) e outros pela possibilidade (por causa da dignidade humana, para evitar situações vexatórias).

5. A tutela dos direitos da personalidade: preventiva e repressiva

Já que os direitos da personalidade são concreções específicas do princípio da dignidade da pessoa humana, deve-se dar-lhes a máxima aplicação possível, dentro dos limites da razoabilidade e proporcionalidade. Este é um critério hermenêutico importante que pode iluminar questões controvertidas. Como exemplo, podemos citar o art. 18 do CC, que proíbe o uso de nome alheio sem autorização em propaganda comercial. A interpretação extensiva – coerente com a ligação entre este direito e a dignidade humana – exige que não se limite esta proibição apenas à propaganda comercial, mas a qualquer outro tipo de propaganda ou publicidade: “Embora o artigo se refira apenas à propaganda comercial, deve abranger a de qualquer outra espécie, com a industrial, artística, eleitoral” (PEREIRA, p. 247).

O art. 12 do CC dispõe que se pode exigir que cesse "a ameaça ou a lesão" a um direito da personalidade. Assim, temos duas espécies de proteção aos direitos da personalidade: tutela preventiva e tutela repressiva.

A primeira procura impedir que os danos ocorram, inclusive pela medida de providências judiciais inibitórias. É o caso de concessão de uma liminar impedindo a circulação de uma revista veiculando a imagem não consentida de alguém.

A segunda tem por objetivo satisfazer o dano ocorrido, através de medidas judiciais repressivas, como é o caso da indenização por danos morais.

Note-se que ambas as tutelas – preventiva e repressiva – podem ser adotadas numa mesma situação. É o caso, por exemplo, de determinação judicial que manda recolher revistas que utilizam imagem não autorizada (prevenindo a continuidade do dano) e, ao mesmo tempo, manda indenizar pelos danos já causados (satisfazendo-os).

Também os arts. 186 e 187 oferecem tutela aos direitos da personalidade.

“No que pertine à caracterização dos danos não-patrimoniais (chamados comumente de danos morais), sobreleva destacar a inexistência de qualquer necessidade de prova da dor, sofrimento, vexame, humilhação, tristeza ou qualquer sentimento negativo. Configura-se o dano moral pela simples e objetiva violação a direito da personalidade. Até mesmo porque a dor, a vergonha, o desgosto, a aflição, etc., é a eventual conseqüência do dano extrapatrimonial e não a sua essência, o seu conteúdo” (FARIAS, p. 159). A dor e sofrimento causados entram, apenas, para efeitos de se calcular o quantum indenizatório (FARIAS, p. 160).

O parágrafo único do art. 12 dispõe que "em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau". Algumas observações devem ser feitas com relação a esse parágrafo (com base na aula do Prof. Cristiano de Farias, proferida no IELF em 05/09/2007):

a) trata-se de legitimação ordinária autônoma, em que o familiar ali mencionado age em nome próprio, pleiteando um direito próprio (que é o de zelar pelos valores personalíssimos de seu parente falecido). O ofendido não é o falecido, cujo direito da personalidade se extinguiu com a morte, mas o familiar. "A lesão ao parente morto atinge, por via oblíqua, aquele que está vivo. É por isso que o chamamos de lesado indireto. E o lesado indireto tem legitimação ordinária" (Cristiano de Farias, aula). Atenção: trata-se, sim, de tutela judicial dos direitos da personalidade do falecido, mas tutela essa conferida aos seus parentes por direito próprio.

b) os familiares ali mencionados não se excluem. Ou seja, ainda que o cônjuge pleiteie a tutela, também os filhos do falecido e/ou seus colaterais poderão fazê-lo, bastando para isso demonstrar que sofreram a lesão (lembrando sempre que se trata de um direito próprio). Não há que se falar, portanto, de aplicação das limitações impostas pela ordem de vocação hereditária.

c) a legitimação dos familiares ocorre quando a ameaça ou a lesão se dão depois da morte do familiar "ofendido". Antes dela, a lesão se dá a um direito dele, e só a ele caberia ingressar com a ação própria (que tem natureza personalíssima). Mas é necessário levar algumas possibilidades em consideração. Por exemplo, cabe examinar se o ofendido já ingressou com a ação; se o fez, os familiares podem sucedê-lo no processo (sucessão processual). Outra possibilidade é ter ele sofrido a lesão ainda vivo, mas não ter tido ciência da lesão, situação na qual -segundo o prof. Cristiano de Farias- poderão os familiares, depois da morte, exercer sua própria legitimação ordinária. Outra hipótese, ainda, é ter tido ele ciência da lesão mas não ter ingressado com a ação: neste caso, existe renúncia tácita, o que impede que os familiares proponham a ação (Ver STJ, REsp 521.697-RJ, relator Min. Cesar Rocha, sobre o jogador Garrincha).

6. Tutela da personalidade de pessoa jurídica

O art. 52 do CC determina que se aplica às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

Embora os direitos da personalidade tenham nascido para proteger os direitos da pessoa natural, possuem um atributo de elasticidade (Farias, aula), que permite aplicá-los às pessoas jurídicas naquilo que sua estrutura permitir e nos limites da ausência de aspectos corpóreos, psicológicos e espirituais. Assim, por exemplo, pode a pessoa jurídica ser protegida em sua honra objetiva, imagem, nome, direitos autorais; mas não pode ser tutelada quanto à honra subjetiva, à inviolabilidade do corpo, à liberdade de consciência, por lhe faltarem os atributos necessários para haver esse direito.

Assim, é pacífico que a pessoa jurídica possa ser sujeito passivo de dano moral (Sm 227, STJ). Há, no entanto, uma dificuldade em se distinguir o dano moral dos lucros cessantes. A estrutura da pessoa jurídica é patrimonial e, por isso, aquilo que seria facilmente identificado como dano moral em uma pessoa natural pode ser confundido com lucros cessantes para uma pessoa jurídica. O juiz deve estar atanto, aqui, para evitar o bis in idem na fixação do quantum (Farias, aula).

Quanto ao direito à honra objetiva, reconhecida pela jurisprudência (p. ex., ver REsp 214.381, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira), é contestada por parte da doutrina, que entende ser na verdade direito à imagem (cf. Alexandre Alves, citado por Tepedino et alii, p. 132)

Há, inclusive, autores que entendem não existir direito da personalidade de pessoa jurídica, já que em nosso sistema os mesmos estão fundados na dignidade da pessoa humana. Enquanto a pessoa humana é um fim em si mesmo, a pessoa jurídica é um meio, e por isso não se pode confundir a lógica da pessoa humana com a lógica da pessoa jurídica (Tepedino et alii, p. 131). Por exemplo, se for admitido o dano à imagem da pessoa jurídica (o que esses autores negam, já que negam os direitos da personalidade para tais entidades), sugere-se que o dano deve ser provado pela empresa, enquanto que se se tratasse de pessoa natural seria presumido diante do fato concreto (Tepedino et alii, p. 133). Nesse sentido, ver o Enunciado 286 das Jornadas de Direito Civil, tornando a questão polêmica: "os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos".

E como se não bastasse, há ainda quem entende que para entender pela extensão ou não dos direitos da personalidade à pessoa jurídica seria necessário distintuir entre pessoas jurídicas com ou sem finalidade lucrativa.

7. Colisão entre direitos da personalidade e liberdade de imprensa

Todos são bens jurídicos constitucionalmente protegidos. A solução para situações de colisão se dá com a ponderação de interesses no caso concreto. Como isso impossibilita o estabelecimento de regras muito gerais, podemos elencar algumas observações que devem ser levadas em conta:

se se trata de pessoa que desempenha mandato público e, especialmente, se o fato tiver relação ao próprio desempenho de sua função pública, aumenta o peso da liberdade de imprensa.

Anote que a Sm 221 do STJ define que são civilmente responsáveis por danos cometidos pelos excessos da imprensa tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de informação. O proprietário do veículo é responsável, mesmo quando se limita a reproduzir entrevista (p. ex., Ap. Cív. nº 98.001.14922, TJ-RJ).

Para a jurisprudência do STF, não foram recepcionadas pela CF/88 as normas da Lei de Imprensa que limitavam o valor das indenizações e o prazo de decadência (ver RE 348827-RJ).

8. Direitos da personalidade e celebridade

Celebridades são pessoas que, por força de sua profissão, possuem uma vida pessoal publicizada (p. ex., artistas, esportistas, políticos). Cristiano de Farias defende uma relativização dos direitos da personalidade de tais celebridades, especialmente imagem e privacidade (Farias, aula). Na aula do IELF mencionada acima, esse professor ensina que os direitos de imagem e privacidade, embora assim relativizados, serão ofendidos se a divulgação for irrazoável ou quando houver "desvio de finalidade" (sem, no entanto, ter explicado o que isso significa, já que o conceito implica no conhecimento da finalidade da divulgação - informar, divertir, promover...).

Na mesma aula, o prof. fala da responsabilidade civil de tais celebridades quando associam sua imagem a algum produto ou serviço, com base no art. 7º, parágrafo único do CDC, que impõe responsabilidade solidária entre todos os que participam do processo de consumo. "Dessa forma, a celebridade que se vincula ao produto responde solidariamente pelos danos causados", especialmente quando a celebridade empresa seu nome ao produto (sandália da Fulana, jogo do Cicrano...), pela credibilidade que tal pessoa projeta ao público em geral.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Muito bom.