domingo, 25 de maio de 2008

Teoria da prova no processo civil

1. Acepções da palavra "prova"

v Significado de "fonte de prova". Fonte de prova é tudo aquilo do qual se pode extrair prova. As fontes de prova são três: as pessoas (por isso se diz que a testemunha é uma prova), as coisas (documentos, objetos), os fenômenos (o som, o mau cheiro, a maré, a gravidez).

v Significado de "meio de prova". Meio de prova é o modo pelo qual a prova é extraída da fonte e colocada no processo. Trata-se, portanto, de como se extrair prova de uma pessoa, como se extrair prova de uma coisa ou como extrair prova de um fenômeno. São exemplos de meios de prova: perícia, inspeção judicial, o testemunho. No Brasil, vigora o princípio da liberdade dos meios de prova, desde que lícita, podendo elas ser produzidas por qualquer meio (típico ou atípico), conforme art. 332. Exemplos de provas atípicas admitidas: reconstituição do ato ilícito no processo civil (reconstituição só é típica no processo penal); prova emprestada, que é a importação de uma prova produzida em outro processo. Prova lícita é aquela que não lesa o direito de outra pessoa. A proibição de prova ilícita constante da CF não é absoluta, porque se admite prova ilícita aplicado o princípio da proporcionalidade (p. ex., ponderação em casos nos quais não é possível se fazer outra prova).

v Significado de "convencimento". Neste caso, prova é o convencimento do julgador. Quando o julgador entende provado o fato, houve prova, houve convencimento. É aquilo que se pretende quando se extrai uma prova, ou seja, pretende-se convencer o órgão jurisdicional. Aqui, a prova é o resultado do meio de prova.

2. Prova e contraditório

O direito fundamental à prova não está previsto expressamente na Constituição, mas existe como corolário do contraditório. Esse direito confere à parte três direitos:

  • direito de produzir provas em juízo
  • direito de participar da produção da prova
  • direito de se manifestar sobre a produção da prova

Direito de participar da produção da prova: direito de não ter contra si uma prova sem contraditório. Só se pode utilizar uma prova contra alguém que tenha participado do processo de produção da prova. Ver art. 431-A, cuja razão de ser é justamente garantir que as partes possam participar e fiscalizar a perícia.

3. Objeto da prova

Neste ponto, estudamos aquilo que se busca provar em juízo.

O objeto da prova são as alegações fáticas, as afirmações sobre os fatos que se busca provar. Assim, o que se provam são fatos, sejam jurídicos ou não (ex.: tipo de nylon da rede de proteção, no caso Isabela). Também pode ser objeto de prova o fato negativo (ex.: certidão negativa).

O fato probando deve ser (características):

  • relevante para o processo
  • controvertido
  • determinado (delimitado no tempo e no espaço)

Não é correto afirmar que fatos negativos não se provam. O que não se prova é fato indeterminado. P. ex., não se pode provar que fulano nunca esteve na Áustria, pois isso é indeterminado. Mas é possível provar que fulano não esteve na Áustria em tal data. Esse é um caso de prova negativa, mas determinada.

Quando a prova do fato é impossível ou extremamente onerosa, estamos diante daquilo que se chama "prova diabólica". Ex.: as hipóteses de usucapião especial exigem que o usucapiente não tenha imóvel. Provar isso é impossível, pois exigiria comprovações de todos os lugares do planeta. Quando ocorre a prova impossível, é necessário redistribuir o ônus da prova.

Vimos que o que se provam são fatos, não o direito. Mas o Direito municipal, estadual, estrangeiro e costumeiro podem ser objeto de prova, se o juiz desconhecer o teor e a vigência dessas regras (art. 337).

O ar. 334 estabelece aqueles fatos que não precisam ser provados. Dentre eles, estão os fatos notórios. São fatos tidos como conhecidos em um determinado momento, em determinada comunidade. A notoriedade é sempre relativa.

Não confundir fatos notórios com as “máximas de experiência”. Estas são juízos abstratos formulados a partir da observação daquilo que ordinariamente acontece. Ex.: “água parada dá mosquito”, lei da gravidade, a gravidez dura nove meses. Nesses casos, não se está afirmando fato algum, mas um juízo abstrato. Essas máxima exercem quatro funções:

Æ servem como limite à valoração da prova pelo juiz, pois ao valorá-las não pode contrariar as regras de experiência

Æ ajudam o juiz a confrontar as provas, escolhendo as mais convincentes. P. ex., são as regras da experiência que orientam a escolher qual das testemunhas foi mais convincente

Æ auxiliam o juiz a preencher os conceitos jurídicos indeterminados

Æ ajudam o juiz a formular as presunções judiciais. Presumir significa ter um fato por ocorrido.

A presunção é um silogismo, em que a premissa maior é a regra de experiência, a premissa menor é o indício (fato que uma vez provado leva à presunção da ocorrência de um outro fato que com ele se relaciona).

A presunção não é meio de prova, mas a conclusão do silogismo. O indício, sim, é um meio de prova (a chamada prova indiciária ou indireta), além de ser, também, objeto de prova (porque é também um fato que precisa ser provado).

Não confundir presunção judicial com presunção legal (inc. IV). Esta é uma regra jurídica, que impõem ao juiz que tome como ocorrido um fato. Assim, presunção legal nada tem a ver com valoração da prova. Na presunção absoluta, o fato é irrelevante. Exs. de presunção absoluta: um cônjuge autoriza o outro a contrair dívidas para a economia doméstica; quem compra imóvel em cuja matrícula está averbada uma penhora, presume-se dela conhecedor. Na presunção relativa, o legislador admite a discussão sobre o fato, mas caberá à outra parte provar que o fato não ocorreu. Exs. de presunção relativa: veracidade da declaração de carência; veracidade das informações constantes de um registro de imóveis.

Presunção legal não se confunde, por seu turno, com as ficções. Na prática, seus efeitos são os mesmos. Mas, teoricamente, na ficção, o legislador toma o fato por ocorrido sabendo que não ocorreu (ex.: confissão ficta no caso de revelia; citação ficta feita por edital); na presunção, há dúvida, e o legislador escolhe uma das possibilidades.

4. Poder instrutório do juiz

No processo civil brasileiro, o juiz tem poder instrutório, o que significa dizer que ele pode determinar a produção de provas ex officio.

Não se trata de um poder complementar ao das partes, mas paralelo, ou seja, o juiz pode determinar paralelamente a produção de provas (art. 130).

Durante muito tempo se entendeu que, no processo civil, deveria vingar a verdade formal, ou seja, aquela construída pelas partes no processo. O juiz deveria se contentar com essa verdade. Isso está superado: se o juiz tem o poder instrutório, não se justifica mais falar em verdade formal.

Alguns afirmam que, dado esse poder, o que vigora no Brasil é a verdade real no processo civil. Mas isso é equivocado, porque a verdade real não existe: o que aconteceu se transforma em história, e a história é narrada por cada um de acordo com aquilo que ele é. No processo, vence a história melhor narrada e provada. Não se procura a verdade real, mas a verdade suficiente para convencer o juiz a proferir uma decisão justa.

5. Convencimento judicial

Existem três sistemas de valoração da prova pelo juiz:

ü sistema do convencimento livre

ü sistema da prova legal

ü sistema do livre convencimento motivado

Sistema do convencimento livre: o juiz valora livremente as provas, sem dar razões de seu convencimento.É o que ocorre no Júri. Não é o sistema do processo civil.

Sistema da prova legal: o julgador aplica a valoração da prova já feita pelo legislador. O juiz aplica a lei, e é esta que estabelece a hierarquia entre as provas. Desse sistema, surge o brocardo "a confissão é a rainha das provas"; ou "testis unus, testis nulus" (um só testemunho não é nada).

Sistema do livre convencimento motivado: o juiz avalia e valora as provas de acordo com seu convencimento, mas há limites a serem observados:

Æ dever de motivar

Æ o juiz fica limitado ao que está nos autos

Æ o juiz não pode contrariar as regras de experiência

Æ o juiz não pode decidir com base em critérios que não podem ser contrapostos racionalmente (ex.: não se pode decidir com base em testemunho psicografado)

Æ sobrevivem em nosso ordenamento algumas regras pontuais de prova legal, que funcionam como limitadores. É o caso do art. 227 do CC.

6. Ônus da prova

As regras de ônus da prova atribuem a uma das partes a responsabilidade pela falta de prova de determinado fato. Assim, essas regras se aplicam nos casos em que não há prova. Não são regras que estabelecem quem deva produzir a prova. É irrelevante saber quem produziu a prova, mas se há prova sobre o fato.

As regras de ônus da prova são regras de julgamento, devem ser aplicadas no momento da decisão. Se, no momento da decisão, o juiz percebe que não foi provado tal fato, aplica essas regras.

São regras de aplicação subsidiária, porque aplicáveis somente quando ocorre falta de prova e não seja mais possível produzi-la. Se possível, e tendo em vista seu poder instrutório, deverá determinar a produção da prova. Aqui, harmoniza-se o ônus da prova com o poder instrutório.

No processo civil brasileiro vale a regra do art. 333 (o ônus é de quem alega). Tendo em vista esse artigo, nosso sistema é um sistema de distribuição estática do ônus da prova (porque é invariável, não flexível).

Doutrinariamente, e com repercussão na jurisprudência, discute-se sobre a teoria da distribuição dinâmina do ônus da prova. Para essa teoria, o ônus da prova deve ser distribuído caso a caso, de acordo com quem tenha condições de arcar com ele. Ao invés de a distribuição ser feita previamente na lei, é realizada caso a caso, in concreto, em homenagem aos princípios da igualdade e adequação. Essa teoria inspirou a inversão do ônus da prova no CDC: nas causas de consumo, o juiz pode, caso a caso, redistribuir o ônus da prova, desde que observe o seguinte: seja favorável ao consumidor, baseie-se na verossimilhança das alegações do consumidor ou na hipossuficiência técnica dele. Inspirou-se na teoria, mas não se trata de uma aplicação da teoria, porque pela teoria da distribuição dinâmica o ônus da prova é redistribuído a qualquer parte, e não somente a uma delas.

A redistribuição do ônus da prova deve ser feita durante o processo, para permitir que a parte, que agora recebeu o ônus, possa se desonerar dele. As regras do ônus da prova são de julgamento, mas as regras de inversão do ônus da prova são de procedimento.

Nas causa de consumo, existe uma regra estática peculiar: quando o consumidor alegar publicidade enganosa, o ônus da prova passa a ser do fornecedor (art. 38, CDC).

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