terça-feira, 8 de abril de 2008

Condições da ação

1. Conceito

Há três teorias que procuram explicar o instituto da ação:

  • concretista

  • abstrativista

  • mista ou eclética

Para a concretista, o direito de ação seria direito a um julgamento favorável. Desta maneira, condições da ação seriam condições para um julgamento favorável e, portanto, seria questão de mérito. Só teria direito aquele que tivesse seu pedido julgado procedente.

Para a abstrativista, o direito de ação seria um direito ao processo, à jurisdição. Por conta disso, os abstrativistas não falam em condições da ação, porque basta ser cidadão. É a teoria predominante no direito internacional.

Para a teoria mista ou eclética, defendida por Liebman e adotada pelo CPC, o direito de ação é direito a um julgamento de mérito, ainda que não favorável. Se o julgamento não for de mérito é porque não havia direito de ação. Para essa corrente, condições da ação seriam condições para o exame do mérito e, portanto, as condições da ação são questões anteriores ao mérito.

Alfredo Buzaid, discípulo de Liebman, foi autor do Projeto do Código de Processo Civil enquanto Ministro da Justiça, acolhendo essa concepção mista.

Essa concepção mista sofre algumas críticas por parte da doutrina.

A principal crítica é a de que é muito difícil, senão impossível, separar o exame das condições da ação do exame de mérito, principalmente quando se estuda a legitimidade ad causam e a possibilidade jurídica do pedido.

Quanto à legitimidade da causa, veja o exemplo: quando um autor ingressa com investigação de paternidade contra alguém e, no curso do processo, se verifica que o autor não é filho, seria o caso de ser julgado carente de ação (por não ter legitimidade) ou improcedência do pedido? Outro exemplo: para Liebman, na ação possessória parte legítima é o possuidor. Se, durante o processo, é verificado que o autor não é possuidor, o que o juiz fará? Julgará o autor carecedor de ação ou improcedente o pedido?

Quanto à possibilidade jurídica do pedido, a crítica é a seguinte: se o mérito é o pedido, quando o juiz verifica que o pedido (mérito) é juridicamente impossível, já está julgando o mérito.

Outra crítica apresentada é a seguinte: a afirmação de Liebman de que a decisão sobre a carência de ação não faz coisa julgada também é problemática. Essa é a tese adotada pelo CPC, nos arts. 267, VI e 268:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:

Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.

Art. 268. Salvo o disposto no art. 267, V, a extinção do processo não obsta a que o autor intente de novo a ação. A petição inicial, todavia, não será despachada sem a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários de advogado.

No entanto, já há entendimento jurisprudencial de que a parte não pode ingressar com nova ação (com partes, causa de pedir e pedido idênticos), quando julgada, na primeira demanda, carente de ação por ilegitimidade ad causam. Segundo esse entendimento, tal decisão faz coisa julgada material. Ver STJ, Resp 160.850: “A sentença que indefere a petição inicial e julga extinto o processo, sem o julgamento de mérito, pela falta de legitimidade passiva para a causa, faz trânsito em julgado material, se a parte deixar transcorrer em branco o prazo para a interposição do recurso cabível, sendo impossível o novo ajuizamento de ação idêntica”.

De acordo com Liebman e com o nosso Código, a análise das condições da ação pode ser feita a qualquer momento (não há preclusão). Isso começou a gerar problemas práticos, o que fez surgir uma doutrina já majoritária (embora sem repercussão na jurisprudência), que advoga pela teoria da asserção (também chamada teoria da prospettazione ou teoria da verificação “in statu assertionis”).

Essa teoria não nega o pensamento de Liebman, mas afirma que a análise das condições deve ser feita unicamente com base naquilo que foi afirmado pelo autor, sem qualquer dilação probatória. Ou seja, o juiz toma o que o autor diz como verdade e pondera se, conforme o que foi dito, está preenchida a condição. Se, depois, se prova que o afirmado é falso, a decisão será de mérito. Assim, para essa teoria, o exame das condições se dá em tese, baseada apenas naquilo que é afirmado pelo autor em sua inicial.

2. Fatos supervenientes e condições da ação

Segundo o art. 462 do CPC:

Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.

Pergunta-se, diante desse artigo, se é possível que um fato superveniente possa repercutir nas condições da ação, retirando uma condição existente no momento da propositura, ou fazendo surgir uma condição existente naquele momento. Por exemplo, em cobrança de dívida ainda não vencida que se torna vencida durante o processo (ou seja, um pedido impossível que se torna possível).

O STF já teve a oportunidade de decidir que partido político que propõe ADI e deixa de ter representação no Congresso não vem a perder a legitimidade.



3. Possibilidade jurídica do pedido.

É juridicamente possível o pedido que, em tese, puder ser acolhido. É, na verdade, segundo Fredie Didier, análise de mérito.

Liebman defendia essa condição até 1972, e seu exemplo era um pedido de divórcio (impossível na Itália de então. O divórcio só foi aprovado em 1973). No ano em que o divórcio foi aprovado, a nova edição do livro de Liebman passou a ignorar completamente a possibilidade jurídica do pedido, passando a dizer que as condições da ação são duas.

Nosso Código, coincidentemente aprovado em 1973, continuou apontando a possibilidade jurídica do pedido como uma condição da ação.

Para Cândido Dinamarco, o melhor é dizer possibilidade jurídica da demanda, pois se deve ver não somente o pedido, mas também a causa de pedir. Ex.: cobrança de dívida de jogo, em que o pedido é possível, mas a causa de pedir não o é.

4. Legitimidade ad causam (ou para agir).

É um poder jurídico atribuído a alguns entes para conduzir um processo em que se discuta determinada relação jurídica. É, como preferem muitos, a pertinência subjetiva da ação. Deve ser examinado em ambos os pólos (ativo e passivo).

Para saber se a parte é legítima, é indispensável examinar a relação jurídica de direito material.

4.1. Classificação da legitimidade

a) legitimidade exclusiva e legitimidade concorrente

Exclusiva: o direito atribui esse poder a apenas um sujeito. Só ele tem legitimidade para figurar no pólo ativo ou passivo. É a regra.

Concorrente: o legislador atribui esse poder a várias pessoas. Exemplos: os condôminos; os legitimados para a ADIN ou ADC; os legitimados para a ação civil pública. São chamados de co-legitimados. Essa noção é muito importante, porque é indispensável para compreensão do litisconsórcio unitário, examinado mais adiante.

b) legitimidade ordinária e extraordinária

Ordinária: em que alguém age em nome próprio, defendendo direito próprio. O legitimado a estar em juízo é um sujeito da relação jurídica material. Ou seja, coincidem as partes do processo com as partes do conflito.

Extraordinária: alguém, em nome próprio, defende direito alheio. Ex.: MP, quando propõe ação de alimentos por uma criança. Todos os legitimados a uma ação coletiva (p. ex., ação civil pública) são extraordinários (ver, p. ex., art. 129, III e §1º, CF; art. 5º da Lei de Ação Civil Pública; art. 82, Código de Defesa do Consumidor).

Às vezes, uma pessoa vai a juízo para discutir um direito próprio e alheio (caso do condômino). Estará como ordinário e extraordinário, dependendo da perspectiva adotada.

Muitos doutrinadores utilizam a expressão substituição processual como sinônimo de legitimação extraordinária. Assim, substituto processual é o mesmo que legitimado extraordinário. Substituído é o titular do direito discutido. É uma terminologia consagrada, mas cabe uma observação: alguns doutrinadores, como Barbosa Moreira, entendem que substituição processual é uma espécie de legitimação extraordinária, e não sinônimo. Para ele, só se pode falar de substituição processual se o legitimado extraordinário estiver em juízo desacompanhado do titular do direito; mas se o titular do direito estiver presente, não haverá substituição. Ou seja, para esse autor, o conceito de substituição processual é mais restrito.

Não se pode confundir substituição processual com:

  • representação processual: o representante age em nome alheio (não em nome próprio), defendendo direito alheio. É o caso do preposto. O substituto, ao contrário, age em nome próprio. Assim, o substituto é parte, enquanto que o representante não.

  • sucessão processual: na sucessão, há uma troca de sujeitos no processo. P. ex., quando o sujeito morre e é sucedido no processo por seus herdeiros. Ocorre uma situação dinâmica, uma alteração. A substituição, ao contrário, é uma situação estática, pois não há alteração no curso do processo.

Características da legitimação extraordinária:

    1. só ocorre por força da lei (em sentido amplo), conforme art. 6º, CPC. Não significa que deva haver previsão legal expressa, mas basta que decorra do sistema. P. ex.: o MP é legitimado para a ação civil pública (previsão legal expressa). Caso o réu venha a propor ação rescisória da decisão em ACP, proporá contra o MP que, então, terá legitimidade extraordinária passiva sem expressa previsão legal, decorrente do sistema.

    2. a extinção do processo por falta de legitimado extraordinário não é de mérito. Aqui, não ocorre a dúvida que vimos quanto à condição da legitimidade da parte.

    3. o legitimado extraordinário, como vimos, é parte. Sendo parte, arca com as custas; pode ser multado por litigância de má fé; é em razão dele que se identifica a competência em razão da pessoa. Embora seja parte, não pode dispor do direito discutido, porque não é seu titular (salvo previsão legal expressa. P. ex., o MP pode fazer acordo em ação coletiva).

    4. a coisa julgada que surja de um processo conduzido pelo substituto processual vincula o substituído. É uma exceção à regra de que a coisa julgada não pode atingir terceiros, até para que o processo seja útil. Para que a coisa julgada não atinja o substituído, é necessário lei expressa, como acontece na ação coletiva porque nela, se o legitimado extraordinário perde a ação, isso não prejudica o substituído (ex.: art. 103, CDC).

c) legitimidade e legitimação

Legitimidade é o poder, legitimação é atribuição desse poder a alguém.

5. Interesse de agir

É uma condição da ação que se examina em duas dimensões:

Utilidade. É necessário que o processo seja útil, ou seja, que possa resultar em algum proveito para a pessoa. P. ex., o prosseguimento da execução é inútil quando os bens não chegam a pagar as custas.

Necessidade de ir a juízo. Cabe ao autor demonstrar a resistência do réu. Diante de ação necessária, a necessidade é presumida.

Há uma corrente da USP, notadamente Cândido Dinamarco, que entende haver uma terceira dimensão do interesse de agir:

Adequação. É preciso que o procedimento escolhido e o pedido formulado sejam adequados ao que se pretende. P. ex., se o autor pretende tutela antecipada não pode entrar com ação cautelar; impetração de MS necessitando de perícia; objetivo de anular um contrato e pedido de despejo. A principal crítica (feita por Barbosa Moreira, p. ex.) a esse posicionamento é que a inadequação é um equívoco processual que pode ser consertado durante o processo.

2 comentários:

fabriciolordelo disse...

Professor Danilo Badaró:
o que aconteceu com os seus vídeos do
site VIMEO??? Não consigo mais acessar sua página.
E os vídeos, como faço para ter acesso?
Sou fã desse blog Material de Concursos.
Abraço,
Fabricio.

Danilo disse...

Fabrício, infelizmente aquela minha conta não existe mais.