quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Princípios penais constitucionais

1. Introdução

O jus puniendi compreende o direito que o Estado tem de:

  • ameçar com pena
  • aplicar a pena
  • executar a pena
Como no Estado de Direito nenhum poder é absoluto, o jus puniendi possui limites que se expressam através de várias regras e, sobretudo, através dos princípios penais constitucionais (explícitos e implícitos na Constituição ).

Segundo Luiz Flávio Gomes, são 12 os principais princípios, que podem ser organizados em quatro grupos(1):


a) princípios correlacionados à missão do Direito Penal:
  • princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos
  • princípio da intervenção mínima.
b) princípios relacionados com o fato do agente:
  • princípio da materialidade do fato
  • princípio da legalidade do fato
  • princípio da ofensividade do fato.

c) princípios relativos ao agente do fato:
  • princípio da responsabilidade pessoal
  • princípio da responsabilidade subjetiva
  • princípio da culpabilidade
  • princípio da igualdade.
d) princípios relacionados com a pena:
  • princípio da proibição de pena indigna
  • princípio da humanidade
  • princípio da proporcionalidade. Este possui cinco dimensões, como que subprincípios:
    • princípio da necessidade concreta da pena
    • princípio da individualização da pena
    • princípio da personalidade da pena
    • princípio da suficiência da pena alternativa
    • princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

2. Princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos(1)

Conforme o autor mencionado, a mais importante missão do Direito Penal é proteger bens jurídicos essenciais. Portanto, não serve para proteger a moral, a ética, a religião, estratégias governamentais.

Para compreender adequadamente esse princípio, deve-se partir do conceito de bem -cientes do desafio que isso comporta(4)-, respondendo às indagações:

  • o que é um bem?
  • o que qualifica um bem como jurídico?
  • o que qualifica um bem jurídico como penal?

Poderíamos dizer que o bem é tudo aquilo que torna uma pessoa ou uma sociedade melhor, aquilo que ajuda a pessoa ou a sociedade a se edificar positivamente. É um valor relevante para o indivíduo ou para a coletividade (como prefere Luiz Flávio Gomes, trata-se de um bem existencial). Pode ser um bem físico (vida, patrimônio) ou espiritual (honra, parentesco).

O bem jurídico é um bem existencial de interesse do ser humano, que o legislador valora positivamente. Essa valoração é feita através da norma. O bem jurídico penal é um bem protegido por uma norma penal. Exemplos: vida, integridade física, patrimônio, liberdade, etc(1).

Funções do bem jurídico penal(1):

a) função justificadora do crime: não existe crime sem bem jurídico. Toda norma penal incriminadora existe para proteger um bem jurídico e é essa proteção que a justifica.

b) função sistemática: o bem jurídico permite classificar os crimes. Nosso CP está ordenado tendo como critério, justamente, os bens jurídicos tutelados (crimes contra a vida, crimes contra a honra).

c) função interpretativa ou exegética: toda interpretação do tipo penal deve partir de um determinado bem jurídico. Dado que o Direito é uma ciência primariamente normativa e finalística, o exame do bem jurídico tutelado (ratio juris) é imprescindível para compreender a norma penal. Trata-se da chamada interpretação teleológica(3).

d) função processual: a competência para julgamento do crime é definida pelo bem jurídico. Por exemplo, no RE 90042 e no RE 156527, o STF entendeu que o crime de trabalho escravo será julgado pela Justiça Estadual, quando ofende um bem jurídico individual; e será de competência da Justiça Federal se ofender o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores. Igualmente, no RE 419528, teve-se em vista que os crimes contra o bem jurídico "vida" são julgados pela Justiça Estadual e os contra o bem jurídico "existência da raça ou etnia" são julgados pela Justiça Federal (no caso, tratava-se de conflito de competência sobre o homicídio de um índio)(1).


2. Princípio da intervenção mínima

O art. 8º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 já determinava que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias.

Dependendo do autor, encontramos perspectivas distintas a respeito desse princípio. Aparecem correlacionados os conceitos de "intervenção mínima", "fragmentariedade" e "subsidiariedade". Comparando a lição de Luiz Flávio Gomes com a de Rogério Greco, podemos encontrar não propriamente divergência, mas matizes diferentes a respeito, veja:



Intervenção Mínima

Fragmentariedade

Subsidiariedade




Luiz F. Gomes

Significa que o Direito Penal é fragmentário e subsidiário.

Somente os bens jurídicos mais relevantes devem merecer a tutela penal; e, mesmo nesses casos, a proteção é exclusivamente contra os ataques mais graves, mais intoleráveis.

Se existem outros ramos do direito suficientes para a proteção do bem jurídico, o direito penal não deve ser aplicado. O Direito Penal é a ultima ratio para a proteção de bens jurídicos.


Rogério Greco

O Direito Penal deve interferir o menos possível na vida em sociedade, somente devendo ser solicitado quando os demais ramos do Direito, comprovadamente, não forem capazes de proteger aqueles bens considerados da maior importância.

Uma vez escolhidos aqueles bens fundamentais, tais bens passarão a fazer parte de uma pequena parcela que é protegida pelo Direito Penal. Nem tudo interessa ao Direito Penal, mas tão-somente uma pequena parte.


Não se refere ao termo subsidiariedade, sendo que o conceito está incluído na Intervenção Mínima


Ou seja, enquanto Luiz Flávio Gomes inclui dentro da intervenção mínima os aspectos de fragmentariedade e subsidiariedade do direito penal, Rogério Grego trata a fragmentariedade como princípio autônomo decorrente da intervenção mínima e sequer menciona a expressão "subsidiariedade" (cujo conceito, porém, está incluído na Intervenção Mínima).

Fruto dos princípios da intervenção mínima, da lesividade e da adequação social(2), a fragmentariedade significa que somente os bens jurídicos mais relevantes devem merecer a tutela penal; e, mesmo nesses casos, a proteção é exclusivamente contra os ataques mais graves, mais intoleráveis. Nem tudo interessa ao Direito Penal, mas apenas a proteção aos bens jurídicos mais relevantes sob a ótica do legislador(2). Quando o bem jurídico é muito importante, a tendência do legislador é a de protegê-lo de qualquer ataque (por exemplo, o bem jurídico vida é protegido de ataques dolosos e culposos; já o bem jurídico patrimônio é protegido de ataques apenas dolosos)(1).

Mas por que esse termo "fragmentariedade"? Penso que o exemplo de Fernando Capez ajuda a compreender essa expressão:

A intervenção mínima tem como ponto de partida a característica da fragmentariedade do Direito Penal. Este se apresenta por meio de pequenos flashs, que são pontos de luz na escuridão do universo. Trata-se de um gigantesco oceano de irrelevância, ponteado por ilhas de tipicidade, enquanto o crime é um náufrago à deriva, procurando uma proção de terra na qual se possa achegar.

Somente haverá Direito Penal naqueles raros episódios típicos em que a lei descreve um fato como crime; ao contrário, quando ela nada disser, não haverá espaço para a atuação criminal (...).

Ou o autor recai sobre um dos tipos, ou se perde no vazio infinito da ausência de previsão e refoge à incidência punitiva.

O sistema é, portanto, descontínuo, fragmentado (um tipo aqui, um tipo ali, outro lá e assim por diante)(4).

Subsidiariedade: se existem outros ramos do direito suficientes para a proteção do bem jurídico, o direito penal não deve ser aplicado. O Direito Penal é a ultima ratio para a proteção de bens jurídicos. Por exemplo, os danos culposos são protegidos pela seara civil(1).

O princípio da intervenção mínima gera a concepção do direito penal mínimo ou minimalismo, movimento de política penal que procura a aplicação do direito penal em casos apenas excepcionais.

Aqui, devemos distinguir o minimalismo do chamado garantismo, sistematizado recentemente por Ferrajoli, segundo o qual o direito penal deve intervir com as máximas garantias. Tais garantias são traduzidas nos seguintes axiomas(1):

1. não há pena sem crime

2. não há crime sem lei penal

3. não há lei penal sem necessidade

4. não há necessidade sem ofensa ao bem jurídico

5. não há ofensa ao bem jurídico sem conduta

6. não há conduta sem dolo ou culpa

7. não há culpabilidade sem o devido processo legal

8. não há processo sem acusação

9. não há acusação sem provas

10. não há provas sem contraditório e ampla defesa

Minimalismo e garantismo não são excludentes, mas complemantares. A união dessas duas correntes de política criminal dá origem ao chamado minimalismo garantista.


O texto completo se encontra no blog Aprovando.

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2.1. O princípio da insignificância

3. Princípio da materialização do fato (ou exteriorização do fato)

4. Princípio da legalidade(2)

5. Princípio da ofensividade do fato

6. Princípio da responsabilidade pessoal

7. Princípio da responsabilidade subjetiva

8. Princípio da culpabilidade

9. Princípio da igualdade(1)

10. Princípio da proibição de pena indigna(1)

11. Princípio da humanidade




Bibliografia

(1) Luiz Flávio Gomes, aula proferida no curso LFG Regular em 14/08/2007.

(2) Rogério Greco, Curso de direito penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, 4a. ed.

(3) Carlos Maximiliano, Hermenêutica e interpretação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994, 14a. ed.

(4) Fernando Capez, Curso de direito penal - parte geral. São Paulo: Saraiva, 2004, 7a. ed.

(5) Ney Moura Teles, Direito penal: parte geral. São Paulo: Atlas Jurídico, 2004.


2 comentários:

BLOGUINHO disse...

perfeito esta matéria sobre os principios penais constitucionais... bem claro, de facil entendimento... obrigada...

Tatiana disse...

gostei muito. bem direto e objetivo. pena não ter o texto completo.